HÁ GENTE PARA QUEM A CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA É PAPEL,
ou O FUNIL FOI UMA GRANDE INVENÇÃO
por José Veloso
Uma ministra opinou sobre direitos dos moradores da Associação 25 de Abril, no Apeadeiro, em Lagos, mais conhecidos, com todo o orgulho e dignidade, por “índios da Meia Praia”.
Vejamos. Esses direitos, além dos Constitucionais, estão consagrados no Diário do Governo nº 182, de o8/o8/1974 e no Diário da Republica nº 158, de 08/07/1976, onde se publicaram despachos do governo que, respectivamente, atribuem à Câmara Municipal de Lagos a responsabilidade pelas infra-estruturas urbanas no local, aprovam os projectos do aproveitamento urbanístico para a Associação, e declaram a utilidade pública urgente para efeitos de expropriação dos terrenos. Os governos financiaram as obras das habitações.
Os moradores cumpriram, com trabalho árduo, e pagaram. Cunha Telles filmou, em longa-metragem, e levou a festivais internacionais. José Afonso, poeta, celebrizou com música. Universidades, seminários e publicações, nacionais e estrangeiras, estudaram. Dulce Pontes cantou “os índios da meia praia” na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. A RTP tem repetidamente transmitido o filme. O Publico divulgou o vídeo.
Estávamos perante uma mais valia sociocultural, esplêndida na sua genuinidade. A ideologia classista, condenou o bairro à exclusão social. Para ser “desactivado”, (sic, como qualquer máquina que não serve), ministra dixit, em concordância com as deturpações do presidente da Câmara. Apareceu o muro da vergonha, do golf. Sem projecto, sem licença, clandestino. Proibido. Mas impune.
Ora, que eu saiba, aqueles despachos obrigam todos, presidente e ministra incluídos. Que eu saiba, a legislação sobre declarações de utilidade pública de solos proíbe expressamente que seja dado outro uso ao terreno abrangido.
Mas verifico que, na informação emanada da ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, em resposta a pergunta feita na Assembleia da República, vária legislação é mencionada. Mas aqueles despachos não são, nem os direitos e obrigações neles consignados. Portanto, para a ministra, conforme a legislação que seleccionou, esses direitos e obrigações não existem. Com o efeito duma aceitação implícita da sua recusa, e da não exigência ética e política de que sejam cumpridos.
Ora isso não pode ter sido por interpretação da lei. Por postura ideológica, pois veremos. Ou foi esquecimento, imperdoável. Ou ignorância, inaceitável. Não sei. Se não foi nada disto, funcionou o funil, por onde há quem aplique as leis, ou então que seja a ministra a se explicar. Argumentos com piruetas circenses, não cabem.
Na legislação, como na palavra da ministra, a questão está também no terreno da responsabilidade da Câmara Municipal de Lagos.
Resta saber se a dita Câmara também sofre do que podem ser o esquecimento ou a ignorância da ministra, ou se usa o tal funil. Ou então, mais simples, se soma tudo, na mesma postura ideológica, acrescida do servilismo ao Poder Palpita-me que é isso.
È do conhecimento público que está em subscrição um abaixo assinado de apoio à Associação 25 de Abril na reclamação dos direitos de cidadania dos seus moradores.
Já o assinei. Era bom que fosse dada à ministra a oportunidade de saber dele. A ver se assinava. A ver se repara que quando cita aquelas leis com frieza (vi as lágrimas da ministra italiana a anunciar sacrifícios ao povo, esse é o mundo a que pertenço), não está só a prestar vassalagem ao Poder que venera, tem na frente pessoas que anseiam por justiça.
Que cumprem as leis. A Constituição da República. Ela não.
José Veloso, Dez. 2011
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