CARTA ABERTA SOBRE A PONTE D.MARIA II, EM LAGOS
No estudo de uma estrutura, o engenheiro entra com 20% de técnica, e 80% de cultura
Edgar Cardoso, engenheiro civil
A
ponte de D.Maria II em Lagos, é elemento decisivo para o equilíbrio da
estrutura urbana da cidade de hoje, e tem um papel fundamental entre o
seu mais rico património histórico e de memória.
A
CDU, consciente desta indesmentível realidade, quer urbanística, quer
cultural, entende que, em nome da transparência democrática na vida da
cidade, a situação actual exige que a população esteja informada do
caminho para a correcta solução a dar à ponte, para hoje e para o
futuro.
De
origens remontando a uma data imprecisa, talvez que da Antiguidade, a
ponte D.Maria II, constituída por 12 arcos de volta perfeita, em
alvenaria, fez parte da EN125 como a única ligação, com uma só faixa de
transito, entre as duas margens da Ribeira de Bensafrim, e portanto
também único acesso de Lagos para a Meia Praia. As diferenças de
amplitude entre arcos da ponte, devem-se a sucessívas reconstruções
parciais, por destruições devidas a terramotos e enxurradas, já
aparecendo como arruinada na planta da Baía de Lagos de 1794.
No
final da década de 1950, o tabuleiro original foi demolido e alargado
para duas faixas de rodagem, com uma laje de betão armado sobreposta na
arcaria de alvenaria. O erro técnico de simplesmente apoiar uma
estrutura de material dinâmico num suporte de material inerte, aliou-se
ao erro cultural de descaracterizar um importante elemento do património
histórico de Lagos.
Aquele
erro técnico, agravado com o transito pesado de 5 décadas, provocou o
hoje visível risco de eminente ruina de alguns arcos, e a ponte foi
encerrada ao tráfego, pedestre e de veículos, por parecer do Laboratório
Nacional de Engenharia Civil.
A
indispensabilidade de eliminar o erro técnico que esteve na raiz do
encerramento da ponte, cria a oportunidade de reparar o erro cultural,
pois que em termos de gestão do território, e neste caso com perspectiva
urbanística, quando uma ponte já não satisfaz a sua função, alia-se a
técnica à cultura, e constrói-se outra.
Para
apoiar este argumento, não seriam precisos outras razões além do bom
senso e da boa gestão. No entanto, vejamos que, com problemas
exactamente identicos de retirada de estradas nacionais de pontes que já
não satisfaziam, construíram-se novas pontes em Silves, em Portimão, em
Tavira, substituindo as pontes existentes, que se mantiveram para
outras funções e foram até valorizadas como património histórico. Mesmo a
outra escala, em Lisboa, no Porto, em Coimbra, como aliás por todo o
mundo, casos similares foram resolvidos com novas pontes.
Sem
rigorosamente nenhum prejuízo de caracter técnico rodoviário, e com
todas as imensas vantagens de caracter cultural e de responsabilidade
perante o futuro, também Lagos tem óptima solução para o seu problema.
A
CDU considera que essa solução será, muito simplesmente, construir uma
nova ponte do lado poente do Pingo Doce, desviando o arruamento ali
existente, para o ligar ao arruamento existente na margem direita, até
junto do nó da rotunda do barco.
A
ligação rodoviária com a Meia Praia ficará, na prática, em tudo
idêntica à que está interrompida. Ficará ainda proporcionado o acesso
directo da margem esquerda ao Complexo Desportivo.
Ao
mesmo tempo, assim se enriquecerá Lagos com a recuperação da valiosa
originalidade patrimonial da ponte de antes de 1950, destinando-a
exclusivamente para transito pedestre, portanto sem os custos das
exigências técnicas para admitir cargas pesadas. Da mesma maneira,
ficarão satisfeitos todos os interesses envolvidos, públicos e privados,
urbanísticos, culturais, comerciais.
Perder
esta oportunidade, será um imperdoável crime urbanístico/cultural, se
porventura se insistisse em manter todos os erros que na obra dos anos
50 do século XX, e inacreditavelmente repetidos no Plano de Urbanização
de Lagos de 2008, incidiram sobre o património histórico e de memória
que é a ponte de D.Maria II, na autenticidade da sua antiga forma.
Em
contrapartida, a nova ponte, dos dias de hoje, será um contributo
inestimável, tanto como expressão da técnica e da cultura da nossa
época, como na estruturação harmoniosa do futuro de Lagos.
A
CDU vê este caso como de extrema urgência, o que, não querendo dizer
precipitação, significa que merece amplo debate público abrangendo a
população, os saberes técnicos, os valores culturais e os interesses
abrangidos.
Por isso, a CDU divulga esta Carta Aberta.
Lagos, Outubro.2013
A CDU de Lagos