O Caminho da Meia-praia
Quando cheguei a Lagos para cá viver já
conhecia esta cidade como turista: praia, bares e a interessante vida dos que
por cá passam para se divertir. Passando a viver cá, devia conhecer todo o
resto, isto é: o que há e não há, onde fica o quê, e os sítios desconhecidos
dos forasteiros referidos pelos seus habitantes.
Descobri então uma maravilha.Podia ir de
carro da Meia-Praia até Odiáxere por um caminho cheio de aventuras, como na
maré alta ter de andar na água, e buracos que obrigavam a uma velocidade de
carroça. Este percurso tinha uma paisagem diferente e bonita. Ia-se pela
estrada fora em direcção a nascente, atravessava-se a linha férrea sem guarda
(já quase me tinha esquecido que existiam), via-se a ria de Alvor, os viveiros
de peixe, uma engraçada ponte ferroviária parecendo estar no meio de nada e os
campos até Odiáxere, ainda ignorando ser masculino o seu nome.
De repente, um dia com amigos de fora,
resolvi mostrar-lhes Lagos diferente de praias, bares e monumentos (óptimos nos
dias de calor para um descanso refrescante). Levei-os a dar uma volta de carro
e para finalizar com a cereja em cima do bolo ia mostrar-lhes o ex-líbris da
terra: a estrada já por mim designada de marginal. Para meu espanto a meio do
caminho bati num estaleiro de construção lá implantado. Tentei contorná-lo por
um lado e por outro, a fim de retomar o percurso planeado, mas nada, só de
tractor. Então um senhor com uma farda, a guiar um daqueles carrinhos para os
preguiçosos pretensos golfistas, lá me disse para subir a colina, contornar o
campo de golfe e depois apanhar a estrada. Não era isso que tinha prometido aos
meus amigos. Senti que os tinha defraudado, mesmo podendo lá em cima
mostrar-lhes isto e aquilo ao lado do caminho por onde tinha pretendido seguir.
Mas dizer não é o mesmo que fazer.
Chegado a casa fui ver os mapas. O caminho
estava lá. Os mapas podiam ser velhos. No “googlemaps” também aparecia. Depois
de “googlar” e encontrar os sítios oficiais sobre o território: o Sistema
Nacional de Informação de Recursos Hídricos e o Instituto Geográfico Português,
verifiquei que estes mostravam e referenciavam o caminho. Não havia dúvida
sobre a sua existência legal.
Só depois liguei o caminho, as obras e um
PIN para toda aquela zona. Mistério resolvido. Como tantos outros, aquele
Projecto de Interesse Nacional é uma forma de um grupo económico fazer do Nosso
território português uma Interessante zona Privada.
Onde havia um caminho, bem ou mal
transitável, com acesso às praias mais distantes, vai passar a haver qualquer
coisa, mas onde serei impedido de usufruir um passeio de carro pela “marginal”.
Onde havia um acesso (quem queria ia, quem não queria não ia, mas a escolha era
individual) a praias sem uma concentração massiva de veraneantes, as pessoas
passam a ser obrigadas a deixar a viatura muito mais longe e a fazer uma prova
forçada de marcha ao sol. Onde há uma praia pública (em Portugal, se não me
engano, porque da forma como os legisladores interesseiros se dão com os
interesses do capital nunca se sabe, por enquanto as praias privadas são
proibidas), passa a haver uma praia com acesso privilegiado para os moradores
da zona PIN e, pela distância, desincentivadora para os outros cidadãos.
Terminando com uma pergunta: se o Poder
Local serve para defender os interesses das populações do seu município como é
possível a autarquia ter permitido isto?
E responderam-me:
Também
neste município socialista o poder económico vergou o poder autárquico, que também
mais uma vez, pôs de lado uma das suas atribuições fundamenteis que é a de
defender os interesses do seu município e preservar os seus recursos naturais e
públicos, a coberto do manto hipócrita do desenvolvimento e criação de emprego.
Mais uma vez os interesses e
pretensões dos poderosos e influentes grupos económicos esmagaram os legítimos
interesses de uma população que pretende apenas preservar o seu modo de vida
com respeito pelo que até agora foi pleno
domínio público (hídrico e ferroviário)
Tudo como se não fosse possível
desenvolver e criar emprego com respeito pelo equilíbrio sustentado da região;
como se o único desenvolvimento fosse o do betão armado e o do esmagamento dos
recursos da região, proliferando prédios, casas e moradias (desabitadas)
rodeadas de piscinas e campos de golfe; como se não fosse possível apoiar e
desenvolver a pesca e a indústria a ela associada, a agricultura e recursos
florestais, que ofereceria emprego todo o ano e não apenas por pequenos
períodos; que muito contribuiria para a fixação das pessoas na região, para a
estabilidade familiar e coesão social, através dos quais se conseguiria dar
esperança a jovens e menos jovens que levam uma vida de abandono e desespero,
jovens e menos jovens com quem nos cruzamos aqui em Lagos, em Odiáxere, em
Bensafrim e Barão de São João.
Tudo sem esquecer o turismo, mas
oferecendo um turismo autêntico, não subserviente; um turismo regional único,
porque únicas são as suas praias, as suas águas, a sua vegetação, a sua
arquitetura, a sua paisagem, a sua gente, preservando a identidade de LAGOS.
Gilberto
Travessas
1 comentários:
Só não choro porque tenho vergonha e também porque de nada serviria.
Adoro Lagos como minha terra natal, mas cada vez mais tenho vergonha em a aconselhar como local de férias visto que começo a não ter argumentos para a defender.
Primeiro foram os locais de diversão noturna desrespeitando o descanso da população que ainda por cá habita, depois foi o estacionamento e agora começo por me sentir um estrangeiro na minha própria terra.
Dos locais que ainda á pouco tempo podia visitar sem quaisquer restrições, agora começo a ver que não falta muito para me proibirem o acesso a eles ou ter de pagar para lá chegar.
Será que isto é o normal evoluir dos tempos?
Se assim for prefiro regredir para poder gozar livremente as maravilhas desta minha terra e sentir orgulho em a aconselhar como local paradisíaco que "era".
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