quarta-feira, 8 de junho de 2011

O Caminho da Meia-Praia - por Gilberto Travessas


              
     O Caminho da Meia-praia
                          
   Quando cheguei a Lagos para cá viver já conhecia esta cidade como turista: praia, bares e a interessante vida dos que por cá passam para se divertir. Passando a viver cá, devia conhecer todo o resto, isto é: o que há e não há, onde fica o quê, e os sítios desconhecidos dos forasteiros referidos pelos seus habitantes.
                                                                                                      
   Descobri então uma maravilha.Podia ir de carro da Meia-Praia até Odiáxere por um caminho cheio de aventuras, como na maré alta ter de andar na água, e buracos que obrigavam a uma velocidade de carroça. Este percurso tinha uma paisagem diferente e bonita. Ia-se pela estrada fora em direcção a nascente, atravessava-se a linha férrea sem guarda (já quase me tinha esquecido que existiam), via-se a ria de Alvor, os viveiros de peixe, uma engraçada ponte ferroviária parecendo estar no meio de nada e os campos até Odiáxere, ainda ignorando ser masculino o seu nome.

   De repente, um dia com amigos de fora, resolvi mostrar-lhes Lagos diferente de praias, bares e monumentos (óptimos nos dias de calor para um descanso refrescante). Levei-os a dar uma volta de carro e para finalizar com a cereja em cima do bolo ia mostrar-lhes o ex-líbris da terra: a estrada já por mim designada de marginal. Para meu espanto a meio do caminho bati num estaleiro de construção lá implantado. Tentei contorná-lo por um lado e por outro, a fim de retomar o percurso planeado, mas nada, só de tractor. Então um senhor com uma farda, a guiar um daqueles carrinhos para os preguiçosos pretensos golfistas, lá me disse para subir a colina, contornar o campo de golfe e depois apanhar a estrada. Não era isso que tinha prometido aos meus amigos. Senti que os tinha defraudado, mesmo podendo lá em cima mostrar-lhes isto e aquilo ao lado do caminho por onde tinha pretendido seguir. Mas dizer não é o mesmo que fazer.

   Chegado a casa fui ver os mapas. O caminho estava lá. Os mapas podiam ser velhos. No “googlemaps” também aparecia. Depois de “googlar” e encontrar os sítios oficiais sobre o território: o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos e o Instituto Geográfico Português, verifiquei que estes mostravam e referenciavam o caminho. Não havia dúvida sobre a sua existência legal.
   Só depois liguei o caminho, as obras e um PIN para toda aquela zona. Mistério resolvido. Como tantos outros, aquele Projecto de Interesse Nacional é uma forma de um grupo económico fazer do Nosso território português uma Interessante zona Privada. 


   Onde havia um caminho, bem ou mal transitável, com acesso às praias mais distantes, vai passar a haver qualquer coisa, mas onde serei impedido de usufruir um passeio de carro pela “marginal”. Onde havia um acesso (quem queria ia, quem não queria não ia, mas a escolha era individual) a praias sem uma concentração massiva de veraneantes, as pessoas passam a ser obrigadas a deixar a viatura muito mais longe e a fazer uma prova forçada de marcha ao sol. Onde há uma praia pública (em Portugal, se não me engano, porque da forma como os legisladores interesseiros se dão com os interesses do capital nunca se sabe, por enquanto as praias privadas são proibidas), passa a haver uma praia com acesso privilegiado para os moradores da zona PIN e, pela distância, desincentivadora para os outros cidadãos.

   Terminando com uma pergunta: se o Poder Local serve para defender os interesses das populações do seu município como é possível a autarquia ter permitido isto? 

E responderam-me:

          Também neste município socialista o poder económico vergou o poder autárquico, que também mais uma vez, pôs de lado uma das suas atribuições fundamenteis que é a de defender os interesses do seu município e preservar os seus recursos naturais e públicos, a coberto do manto hipócrita do desenvolvimento e criação de emprego.
            Mais uma vez os interesses e pretensões dos poderosos e influentes grupos económicos esmagaram os legítimos interesses de uma população que pretende apenas preservar o seu modo de vida com respeito pelo que até agora foi pleno domínio público (hídrico e ferroviário)
Tudo como se não fosse possível desenvolver e criar emprego com respeito pelo equilíbrio sustentado da região; como se o único desenvolvimento fosse o do betão armado e o do esmagamento dos recursos da região, proliferando prédios, casas e moradias (desabitadas) rodeadas de piscinas e campos de golfe; como se não fosse possível apoiar e desenvolver a pesca e a indústria a ela associada, a agricultura e recursos florestais, que ofereceria emprego todo o ano e não apenas por pequenos períodos; que muito contribuiria para a fixação das pessoas na região, para a estabilidade familiar e coesão social, através dos quais se conseguiria dar esperança a jovens e menos jovens que levam uma vida de abandono e desespero, jovens e menos jovens com quem nos cruzamos aqui em Lagos, em Odiáxere, em Bensafrim e Barão de São João.
Tudo sem esquecer o turismo, mas oferecendo um turismo autêntico, não subserviente; um turismo regional único, porque únicas são as suas praias, as suas águas, a sua vegetação, a sua arquitetura, a sua paisagem, a sua gente, preservando a identidade de LAGOS.

                                Gilberto Travessas 

1 comentários:

Joaquim Bexiga disse...

Só não choro porque tenho vergonha e também porque de nada serviria.
Adoro Lagos como minha terra natal, mas cada vez mais tenho vergonha em a aconselhar como local de férias visto que começo a não ter argumentos para a defender.
Primeiro foram os locais de diversão noturna desrespeitando o descanso da população que ainda por cá habita, depois foi o estacionamento e agora começo por me sentir um estrangeiro na minha própria terra.
Dos locais que ainda á pouco tempo podia visitar sem quaisquer restrições, agora começo a ver que não falta muito para me proibirem o acesso a eles ou ter de pagar para lá chegar.
Será que isto é o normal evoluir dos tempos?
Se assim for prefiro regredir para poder gozar livremente as maravilhas desta minha terra e sentir orgulho em a aconselhar como local paradisíaco que "era".

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