Desemprego é mera nota negativa
para Passos Coelho
Os
portugueses ficaram a saber pela boca do 1.º ministro, no discurso que
fez na festa do PSD no Pontal, que o desemprego em Portugal não é um
problema importante para Passos Coelho, porque «o que era importante não falhámos»; o desemprego é uma mera «nota negativa» para utilizar
também as próprias palavras do 1.º ministro.
E isto no dia em que o INE
divulgou os dados sobre o desemprego do 2.º trimestre de 2012, que
revelavam que 1,3 milhões de portugueses estavam desempregados ou
subempregados por falta de trabalho, e estatísticas recentes da
Segurança Social informavam que o número de desempregados a receber
subsídio de desemprego tinha diminuído no 2.º trimestre deste ano,
apesar do desemprego continuar a aumentar. Mas analisemos os dados
divulgados pelo INE e pela Segurança Social para se poder avaliar a
dimensão da insensibilidade social e da falta de respeito do 1.º
ministro pelos desempregados.
O INE, na informação referente ao 2.º trimestre de 2012, utilizou dois conceitos novos que é importante
ter presente para compreender os dados do Quadro anexo. O primeiro, é o
«Subemprego de trabalhadores a tempo parcial» que, segundo o INE,
corresponde ao «conjunto de indivíduos empregados dos 15 aos 74 anos
que, no período de referência em que foi realizado o inquérito, tinham
um trabalho a tempo parcial (inclui os «biscates» para sobreviver) e
declararam pretender trabalhar mais horas do que as que habitualmente
trabalham e estavam disponíveis para isso»; portanto, são pessoas que
desejam trabalhar mais para obter uma melhor remuneração e que só o não
fazem porque não encontram trabalho. Este conceito substitui o
«subemprego visível» que o INE utilizava anteriormente.
O segundo
conceito novo é o de «inativo disponível mas que não procura emprego»
que é, segundo o INE, o «inativo com idade dos 15 aos 74 anos que, no
período de referência, estava disponível para trabalhar, mas não tinha
procurado um emprego ao longo do período de referência ou nas três
semanas anteriores ao inquérito do INE». Este conceito substitui o
anterior de «inactivo disponível», que incluía também os «inactivos
disponíveis desencorajados» – os que tinham deixado de procurar emprego
porque já não acreditavam que o conseguissem arranjar. Portanto, estes
dois grupos abrangidos pelos novos conceitos utilizados pelo INE, que os
adoptou por serem usados pelo Eurostat, são constituídos (ambos) por
portugueses que estão aptos e disponíveis para trabalhar mas que ou não o
fazem ou o fazem apenas um número reduzido de horas porque não
encontram trabalho. Na prática, ou estão totalmente sem trabalho ou
apenas conseguem trabalhar poucas horas.
Assim,
o desemprego oficial, que no 2.º trimestre de 2012 atingiu a taxa 15%
(15,4% segundo o Eurostat), o que corresponde a 829,6 mil desempregados
(849 mil de acordo com o Eusrostat), ascende de facto – se somarmos
aqueles dois grupos, um de desempregados e o outro de subempregados – a 1
305 300, o que corresponde a uma taxa de desemprego real de 22,8%.
Apesar disso, no fim do 2.º trim./2012, apenas 356,5 mil desempregados
(43,1% do desemprego oficial; 27,3% do desemprego real) recebiam
subsídio de desemprego, segundo a Segurança Social. E não obstante o
desemprego continuar a crescer, o número de desempregados a receber
subsídio, que tinha aumentado até ao 1.º trim./2012 para 360,7 mil, no
2.º trim./2012 diminuiu para 356,5 mil. Mas isto não é um problema
importante para o 1.º ministro; nas suas palavras é apenas uma «nota
negativa».
Acresce que o desemprego de longa duração está a aumentar muito, como revelam os dados do INE.
Entre o 2.º trim./2011 e o 2.º trim./2012, o desemprego de longa duração, ou seja, com mais de um
ano, passou de 372,3 mil para 443,3 mil, representando já 53,6% do
desemprego oficial total. Para a maioria destes desempregados de longa
duração isso significa a crescente exclusão do mercado de trabalho, pois
devido à sua baixa escolaridade (63,1% tinham o Ensino Básico) será
cada vez mais difícil encontrar emprego. Mas para o 1.º ministro, isso
também não é um problema importante, o que é importante é obter uma
avaliação positiva da troika.
A «regra de ouro» salazarista
No
discurso que fez no Pontal, Passos Coelho não falou uma única vez de
qualquer medida para impulsionar o crescimento económico, nem para criar
emprego. Certamente porque isso também não é um problema importante
para ele, ou então porque acredita, cego pela ideologia neoliberal, que
as «avaliações positivas da troika trarão, como por milagre, o
crescimento económico.
No entanto, o 1.º ministro foi ao baú das
velharias salazaristas e retirou dele aquilo que chamou a «regra de
ouro» de qualquer governo a qual, segundo ele, devia ser inscrita na
Constituição para obrigar todos os governos a respeitá-la. E essa «regra
de ouro» é que o governo nunca devia fazer qualquer despesa que
aumentasse a dívida. E isto com a justificação de não sobrecarregar as
gerações futuras que teriam de pagar essa dívida. A ignorância sobre a
economia e tacanhez desta «regra de ouro» salazarenta tornam-se claras
quando a confrontamos com a realidade.
Suponha-se
um investimento na construção de um hospital, ou de uma escola, ou de
uma universidade, ou ainda de uma estrada, ou então medidas para
impulsionar o crescimento económico e o desenvolvimento do País. É
evidente, pela duração da sua vida útil, que esse hospital, essa escola,
essa estrada vão ser utilizadas também pelas gerações futuras, assim
como o crescimento económico e o desenvolvimento do País vão também
beneficiar as futuras gerações. Se o Estado nunca se pudesse endividar
para fazer esse tipo de investimentos, tal significaria que as gerações
actuais teriam de pagar integralmente esses investimentos, embora eles
fossem também utilizados pelas gerações futuras, ou então que esses
investimentos não se realizariam e o País não se desenvolvia. A «regra
de ouro» salazarista, agora também adoptada por Passos Coelho, a vingar
só poderia conduzir o País ao atraso e à anemia económica, tal como
sucedeu no salazarismo.
A
defesa do investimento público com base no endividamento não significa
que todos os investimentos públicos sejam bons investimentos e por isso
devam ser realizados. A situação que o País actualmente enfrenta também
resultou de maus investimentos públicos. São exemplos a compra dos
submarinos; a construção de estádios de futebol que não são utilizados;
as rendas excessivas pagas pelo Estado a grandes empresas como a EDP e Mota-Engil,
que ninguém tem coragem para reduzir, embora não se canse de o
prometer; benefícios fiscais enormes concedidos às grandes empresas como
à GALP e à banca, a construção de centenas de quilómetros de
auto-estradas quando era suficiente uma boa estrada; e múltiplas
despesas onde se continua a desbaratar impunemente fundos públicos
(leia-se o livro recente de Bárbara Rosa e Rui Oliveira, a Má despesa pública,
que é esclarecedor). Há boa despesa pública e má despesa pública, e é
necessário e urgente boa despesa pública para tirar Portugal da recessão
económica e para criar emprego. Mas a cegueira neoliberal e o espírito
de classe impedem Passos Coelho e Vítor Gaspar de compreenderem este
ensinamento elementar da ciência económica.
Nenhuma empresa funcionaria
nem se desenvolveria com gente com esta miopia e tacanhez à frente.