Declaração Política de António Filipe,
Deputado do PCP,
na Assembleia da República sobre a
"Limitação à renovação sucessiva
de mandatos dos presidentes de câmaras municipais e de juntas de freguesias”
Senhor
Presidente,
Senhores
Deputados,
A interpretação da lei que estabelece limites à
renovação sucessiva de mandatos dos presidentes de câmaras municipais e de
juntas de freguesia tem dado lugar a alguma especulação e a diversas tentativas
de lançar a confusão em torno das candidaturas às próximas eleições para as
autarquias locais.
Há quem considere que segundo a lei em vigor, os
cidadãos que tenham exercido três mandatos consecutivos como presidentes de uma
câmara municipal ou de uma junta de freguesia, ficam privados do direito a ser
candidatos, não apenas aos órgãos a que presidiram durante três mandatos, mas a
qualquer outro órgão autárquico do país.
Podemos admitir, embora discordemos, que por
razões políticas, alguém considere que um cidadão que tenha exercido um cargo
político por um determinado período, seja privado de direitos políticos para o
exercício desse e de outros cargos durante um período subsequente, mas já nos
custa admitir que se pretenda basear essa opinião em razões jurídicas que,
manifestamente, não existem.
Sejamos mais claros: os cidadãos que tenham
exercido três mandatos consecutivos como presidentes de câmara municipal ou de
junta de freguesia não podem recandidatar-se a um quarto mandato consecutivo,
mas não ficam inibidos de exercer o seu direito cívico e político de se
candidatar a um primeiro mandato em outra autarquia. Por uma razão muito óbvia:
é que não há nada na lei que o proíba e não há interpretação da lei conforme à
Constituição que o impeça.
Senão vejamos:
A Constituição, no seu artigo 48.º, dispõe que
todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção
dos assuntos públicos do
país,
diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos, e no artigo
50.º, dispõe que todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de
igualdade e liberdade, aos cargos públicos.
É bom por isso recordar que,
quando um cidadão se candidata a um cargo político, seja ele qual for, o faz ao
abrigo do seu direito fundamental a ser candidato a qualquer cargo político,
mas dá também concretização ao direito fundamental de todos os demais cidadãos
a eleger livremente os seus representantes.
É claro que a lei pode
estabelecer limites a estes direitos, através de inelegibilidades destinadas a
garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do
exercício dos respetivos cargos. É isso que a lei faz em diversos casos. É isso
que faz, com expressa autorização constitucional no caso da limitação dos
mandatos autárquicos. O que acontece é que essa limitação tem de se restringir
ao disposto na lei e não pode ir para além dela, com base numa interpretação
extensiva que a Constituição não autoriza.
Quando ouvimos alguns
responsáveis políticos ou fazedores de opinião a defender que a limitação de
mandatos deve ir para além do que a lei estabelece expressamente, ficamos com a
sensação de que se esquecem que os autarcas portugueses são eleitos pelos seus
concidadãos em eleições livres e que Portugal é uma República soberana baseada
na vontade popular.
Por isso mesmo, a fixação legal
de um limite de mandatos sucessivos aos presidentes de câmara e de junta de
freguesia teve de ser precedida de uma revisão constitucional que a permitiu
expressamente, a efetuar nos termos da lei.
E vejamos então o que diz a lei.
O que diz a lei é que “o presidente de câmara municipal e o presidente de junta
de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos”.
Trata-se pois de saber, desde
logo, o que é um mandato. Nós temos em Portugal um mandato de presidente de
câmara a ser exercido por 308 titulares ou temos 308 mandatos a ser exercidos
por titulares diferentes? O presidente da câmara municipal de Coimbra e o
presidente da câmara municipal de Barrancos exercem o mesmo mandato? Obviamente
que não. Cada titular de cargo político exerce o mandato para que foi eleito.
Não exerce os mandatos dos outros. E a limitação de mandatos que incida sobre
cada um
só pode incidir sobre os seus próprios mandatos e não evidentemente sobre os
mandatos dos outros.
Alguém dirá que a lei pode
estabelecer que os cidadãos que exerceram três mandatos como presidentes de
câmara ou de junta de freguesia não podem ser candidatos em lugar algum. A lei
pode, de facto, estabelecer isso. Mas não o estabeleceu. E se a lei não o fez,
não pode ser interpretada como se o tivesse feito? Respondemos, obviamente, que
não pode.
Obviamente que não pode, porque as
leis restritivas de direitos fundamentais, como é o caso, devem ser
interpretadas restritivamente e não podem ter uma interpretação extensiva. Não
somos nós que o dizemos. É a Constituição que o determina no artigo 18.º,
quando confere força jurídica aos direitos, liberdades e garantias, e é a
jurisprudência constitucional que reiteradamente o afirma.
É perfeitamente legítimo que
alguém defenda a opinião política de que quem já exerceu um cargo autárquico ao
longo de doze anos seja impedido de se recandidatar seja onde for. É uma
posição que tem legitimidade política, mas não tem fundamento
jurídico-constitucional. Se a lei e a Constituição não o proíbem, não podem ser
os fazedores de opinião a fazê-lo.
Não se diga que a interpretação
segundo a qual quem tenha exercido três mandatos consecutivos como presidente
de câmara ou de junta de freguesia fica proibido de se candidatar em qualquer
outra autarquia corresponde ao espírito do legislador. Isso não corresponde à
verdade. Quem se der ao trabalho de ler os debates em torno da lei em vigor não
consegue extrair em lado algum essa conclusão, mas antes a contrária. Foi na
verdade afirmado nesse debate, pelo então Deputado Abílio Fernandes, que a
limitação de mandatos proposta não impedia a candidatura em concelhos ou
freguesias diversas daquelas em que os três mandatos consecutivos tivessem sido
exercidos. E ninguém sentiu a necessidade de o contradizer.
Senhora Presidente,
Senhores Deputados,
Juridicamente, não temos dúvidas
que os cidadãos que completaram três mandatos consecutivos como presidentes de
câmara ou de junta de freguesia não podem recandidatar-se nas autarquias onde
exerceram funções, mas não estão legalmente impedidos de se candidatar em
qualquer outra autarquia no território nacional. Mas não nos eximimos de
exprimir a
nossa
opinião política sobre essa questão, sem ceder a populismos ou a demagogias.
Será justo defender que um
cidadão que exerceu três mandatos como presidente de uma câmara ou de uma junta
de freguesia, com honestidade e competência, sem que tenha sido acusado de
qualquer irregularidade, gozando da confiança e reconhecimento dos seus
concidadãos, e que tendo obtido enorme experiência ao serviço das populações,
seja impedido de se candidatar numa outra autarquia, submetendo a sua
disponibilidade à vontade livre dos cidadãos? Não consideramos que seja justo.
Sejamos claros: ser autarca não é
cadastro. Um cidadão não pode ser privado injustamente dos seus direitos
políticos pelo facto de ter sido autarca durante doze anos, e a limitação de
mandatos que está estabelecida na lei não pode ser entendida como uma punição
necessária de quem presidiu a executivos autárquicos.
O PCP bate-se pelo rigor, pela
honestidade e pela competência no exercício de cargos públicos, e defende a
adoção de todas as medidas que previnam quaisquer fenómenos de abuso de poder,
de corrupção ou de clientelismo no exercício dessas funções. Mas não se
identifica com aqueles que procuram transmitir a ideia de que tais fenómenos
decorrem inevitavelmente do exercício de funções autárquicas, como se não
houvesse neste país milhares de cidadãos que, como autarcas, servem
desinteressadamente a causa pública e que não merecem ser alvo de um permanente
juízo de suspeição.
Disse.