SEM
TITULO
Texto por José Veloso
Chama-se
“sem título”, quando uma expressão sensorial não cabe num
título. Fica então para a sensibilidade e inteligência do
observador traduzir a reacção ou sentimento que lhe é despertado.
Não é tanto assim num texto de prosa, as palavras são palavras,
querem dizer exactamente aquilo que são. Parece, então, que não
faria sentido titular “sem título” um escrito, uma vez que terá
um sentido, e só esse.
Mas
o que me surge para dizer é tão complicado, com tantas vertentes,
que não sou capaz de o sintetizar num título, sem fazer com que
muita coisa não fique abrangida.
Refiro-me
às reacções e comportamentos que as eleições em França e na
Grécia estão a suscitar. Parecia, afirmava-se galhardamente, que cá
a situação social e politica, estava sossegada e solidamente
instalada numa coisa chamada consenso, que abrigava toda a gente
séria e responsável (pelo menos até os tribunais darem a
sentença). Consenso onde só não cabia quem, irresponsável,
incapaz de entrar no arco do Poder, afirmava que estes tão louvados
governo e apoiantes, em obediência canina às ordens de mandantes,
não levam a sítio nenhum, só prejudicam o País e quem trabalha.
Esses outros, que no consenso não querem caber, são os do PCP,
sempre disseram que havia que protestar, reclamar por outros
caminhos, não aceitar a postura de servidão, própria de quem nasce
escravo, e afirmar a dignidade da autonomia soberana dos homens
livres a escolher o seu futuro, e da sua terra.
Só
que de um dia para o outro, apareceram aquelas eleições. Foi o
alarme nos felizes do pão e circo, abanou tudo, qual consenso, qual
nada, agora quem manda são outros, para lhes agradar é fartura de
cambalhotas e piruetas por todos os lados, desde os bobos assumidos,
aos bobos disfarçados. Uns, gritam que afinal sempre disseram que
não disseram o que disseram com tanta convicção e certeza. Há
quem meta a cabeça na areia, para não ser visto, ou para fingir que
nada aconteceu. Há também quem barafuste porque os confrades ainda
não viram o que eles já perceberam. Outros saem da toca, e
esganiçam-se para não se perceber que já estão esfaqueando as
costas de quem os pôs na ribalta. Pelo meio, esgueirando-se, para se
safarem, os espertos invertebrados do costume, miméticos, incapazes
do carácter que nunca tiveram, na desvergonha de montar sempre o
cavalo ganhador que agora perderam..
Vá
lá uma pessoa dar um título a este espectáculo. Triste, lá isso é,
mas é também muito mais do que isso. Há sofrimento, muito, há
desesperança, há medo. Mas há também a confiança no PCP, saber
que se sabe que há outro caminho.
Vamos
a ver o destino que vai ter aquilo que foi garantido ser inatacável,
o religiosamente reverenciado memorando ou contrato ou lá o que era,
assinado e cumprido (até ultrapassado), pelo perfeitíssimo sentido
de Estado dos iluminados. Bom, se calhar a maravilha não era assim
tão perfeita e obrigatória, parece que gregos a mandaram às
urtigas, os espanhóis ignoram o que ela seja, os franceses, para
eles nem sonhar, e que os alemães mandem lá na casa deles.
E
por cá, os tais rasteiramente bem comportadinhos, todos, com quem
irão agora, esgravatam à procura do patrão novo, um qualquer
serve, é preciso é ficar tudo como está.
Por
cá, como sempre assumiu o PCP, que sejam os portugueses a governar,
a trabalhar, a produzir, sem patrões.
Ora
cá e lá fora, ouve-se dizer que é preciso um remédio para a
crise. Pois é, mas a hipocrisia esconde, foge como o diabo da cruz,
de falar da raiz envenenada que teria que ser atacada para curar esta
nova peste negra europeia. Chama-se especulação financeira por cima
de todas as fronteiras. Também dá pelo nome de capitalismo.
Veremos
no que vamos acabar. Sem título.
José
Veloso, Maio 2012
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