domingo, 13 de maio de 2012

SEM TITULO




SEM TITULO
              
Texto por José Veloso
                               
Chama-se “sem título”, quando uma expressão sensorial não cabe num título. Fica então para a sensibilidade e inteligência do observador traduzir a reacção ou sentimento que lhe é despertado. 
                                                                       
Não é tanto assim num texto de prosa, as palavras são palavras, querem dizer exactamente aquilo que são. Parece, então, que não faria sentido titular “sem título” um escrito, uma vez que terá um sentido, e só esse.
Mas o que me surge para dizer é tão complicado, com tantas vertentes, que não sou capaz de o sintetizar num título, sem fazer com que muita coisa não fique abrangida.
Refiro-me às reacções e comportamentos que as eleições em França e na Grécia estão a suscitar. Parecia, afirmava-se galhardamente, que cá a situação social e politica, estava sossegada e solidamente instalada numa coisa chamada consenso, que abrigava toda a gente séria e responsável (pelo menos até os tribunais darem a sentença). Consenso onde só não cabia quem, irresponsável, incapaz de entrar no arco do Poder, afirmava que estes tão louvados governo e apoiantes, em obediência canina às ordens de mandantes, não levam a sítio nenhum, só prejudicam o País e quem trabalha. Esses outros, que no consenso não querem caber, são os do PCP, sempre disseram que havia que protestar, reclamar por outros caminhos, não aceitar a postura de servidão, própria de quem nasce escravo, e afirmar a dignidade da autonomia soberana dos homens livres a escolher o seu futuro, e da sua terra.
Só que de um dia para o outro, apareceram aquelas eleições. Foi o alarme nos felizes do pão e circo, abanou tudo, qual consenso, qual nada, agora quem manda são outros, para lhes agradar é fartura de cambalhotas e piruetas por todos os lados, desde os bobos assumidos, aos bobos disfarçados. Uns, gritam que afinal sempre disseram que não disseram o que disseram com tanta convicção e certeza. Há quem meta a cabeça na areia, para não ser visto, ou para fingir que nada aconteceu. Há também quem barafuste porque os confrades ainda não viram o que eles já perceberam. Outros saem da toca, e esganiçam-se para não se perceber que já estão esfaqueando as costas de quem os pôs na ribalta. Pelo meio, esgueirando-se, para se safarem, os espertos invertebrados do costume, miméticos, incapazes do carácter que nunca tiveram, na desvergonha de montar sempre o cavalo ganhador que agora perderam..
Vá lá uma pessoa dar um título a este espectáculo. Triste, lá isso é, mas é também muito mais do que isso. Há sofrimento, muito, há desesperança, há medo. Mas há também a confiança no PCP, saber que se sabe que há outro caminho.
Vamos a ver o destino que vai ter aquilo que foi garantido ser inatacável, o religiosamente reverenciado memorando ou contrato ou lá o que era, assinado e cumprido (até ultrapassado), pelo perfeitíssimo sentido de Estado dos iluminados. Bom, se calhar a maravilha não era assim tão perfeita e obrigatória, parece que gregos a mandaram às urtigas, os espanhóis ignoram o que ela seja, os franceses, para eles nem sonhar, e que os alemães mandem lá na casa deles.
E por cá, os tais rasteiramente bem comportadinhos, todos, com quem irão agora, esgravatam à procura do patrão novo, um qualquer serve, é preciso é ficar tudo como está.
Por cá, como sempre assumiu o PCP, que sejam os portugueses a governar, a trabalhar, a produzir, sem patrões.
Ora cá e lá fora, ouve-se dizer que é preciso um remédio para a crise. Pois é, mas a hipocrisia esconde, foge como o diabo da cruz, de falar da raiz envenenada que teria que ser atacada para curar esta nova peste negra europeia. Chama-se especulação financeira por cima de todas as fronteiras. Também dá pelo nome de capitalismo.
Veremos no que vamos acabar. Sem título.

José Veloso, Maio 2012



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