Contradições
agravam-se
Por Ilda Figueiredo
O momento
que vivemos, com duas cimeiras do Conselho da União Europeia no espaço de
quatro dias, após um primeiro adiamento, e com cimeiras intermédias dos dois
responsáveis pelo directório que Alemanha e França assumem, são um sinal da
gravidade da crise do capitalismo e das contradições que se agravam no seio do
seu principal instrumento na Europa.
No momento
em que escrevo, entre as duas cimeiras do Conselho, pouco se conhece sobre o
acordo possível entre Alemanha e França relativamente à crise na zona euro,
além do reconhecimento da necessidade de anular pelo menos metade da dívida
grega e de novas alterações ao chamado Tratado de Lisboa, para reduzir ainda
mais a soberania dos Estados que são vítimas destas políticas neoliberais,
sempre em nome da dita governação económica. Desde já, ficou a certeza de que,
no Conselho Europeu de Dezembro, irão voltar a «debruçar-se sobre as questões
das ligeiras alterações ao Tratado, com base num relatório elaborado pelo seu
Presidente em estreita colaboração com o Presidente da Comissão e o Presidente
do Eurogrupo».
Claro que
também estarão de acordo sobre dois objectivos centrais das suas políticas:
continuar a apoiar os bancos privados, o sector financeiro, com o dinheiro
público obtido através de programas intitulados de austeridade, que
trabalhadores e povos continuarão a ver recair sobre os seus ombros e as suas
vidas.
Mas de fora
de qualquer acordo ficarão, em qualquer caso, as respostas urgentes e as
medidas imediatas que se impunham para impedir que a especulação financeira em
torno das dívidas soberanas continue a minar qualquer possibilidade de
desenvolvimento dos países de economias mais frágeis.
Bem
demonstrativas da política de classe da União Europeia são algumas das
afirmações contidas nas conclusões do Conselho Europeu de 23 de Outubro. Por
exemplo, enquanto se limitam a afirmar que «o Conselho toma nota da proposta da
Comissão relativa a um imposto sobre as transacções financeiras», em relação ao
sector bancário já aparece uma saudação especial aos progressos alcançado pelo
Conselho (ECOFIN) no que toca às medidas para este sector, convidando-o a
concluir este trabalho na reunião de 26 de Outubro.
E acrescentam mesmo que
«estas medidas serão uma componente essencial de um pacote mais abrangente,
composto por outros elementos, sobre os quais a Cimeira do Euro de 26 de
Outubro deverá chegar a acordo».
Mas, na
verdade, não haverá qualquer decisão sobre uma questão maior e mais grave da
crise actual do capitalismo: a desregulamentação dos mercados financeiros, a especulação
que desenvolvem, designadamente com a proliferação de produtos e transacções
financeiras no mercado de derivados, que levou à multiplicação de bolhas
financeiras, à existência dos paraísos fiscais, essa forma de permitir
«legalmente» a fuga aos impostos, à evasão fiscal e todo um conjunto de
operações financeiras de branqueamento de capitais e de negócios obscuros e
sujos, além da multiplicação de parcerias público-privadas que garantem a
grupos económicos privados ganhos substanciais, praticamente sem quaisquer
riscos, e privatizações que continuam a ser defendidas pela legislação da UE e
exigidas, em massa e ao desbarato, nos países sujeitos à chamada «assistência
financeira».
É
sintomático que, relativamente à Cimeira do G20, a realizar no início de
Novembro, em Cannes, França, as conclusões do Conselho de 23 de Outubro afirmem
que «a aplicação de medidas macroeconómicas sólidas deverá estar na primeira
linha da resposta aos choques dos fluxos de capitais, devendo o G20 continuar a
promover a abertura dos mercados de capitais e a evitar o proteccionismo
financeiro».
É certo que,
depois, caem, aparentemente, nalgumas contradições, falando vagamente do
reforço da regulação e da supervisão do sector financeiro, do «reforço da
regulação do sistema bancário paralelo, combate aos paraísos fiscais e redução
da confiança excessiva nas notações de crédito». De forma ainda mais vaga e
mais distante, é dito que se deve «estudar a possibilidade de introduzir um
imposto sobre as transacções financeiras a nível mundial e continuar a
aprofundar esta questão». Ou ainda sobre a «redução da excessiva volatilidade
dos preços dos produtos de base», afirmando a necessidade de «reforçar a
transparência dos mercados desse tipo de produtos e aperfeiçoando o
funcionamento e a regulação dos mercados de produtos derivados».
Os
responsáveis da União Europeia sabem que estes são problemas graves do sistema
financeiro para os quais contribuíram de forma decisiva, e que estão a agravar
toda a situação actual, mas, dado o seu enfeudamento ao sistema financeiro,
limitam-se a fazer enunciados de intenções gerais para não ficar mal na
fotografia internacional da Cimeira do G20. É, de facto, o cúmulo da hipocrisia
a que se chegou nesta União Europeia.
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