terça-feira, 1 de novembro de 2011

CONTRADIÇÕES AGRAVAM-SE, por Ilda Figueiredo


 




Contradições agravam-se
             
Por Ilda Figueiredo     
             
                        




O momento que vivemos, com duas cimeiras do Conselho da União Europeia no espaço de quatro dias, após um primeiro adiamento, e com cimeiras intermédias dos dois responsáveis pelo directório que Alemanha e França assumem, são um sinal da gravidade da crise do capitalismo e das contradições que se agravam no seio do seu principal instrumento na Europa.

No momento em que escrevo, entre as duas cimeiras do Conselho, pouco se conhece sobre o acordo possível entre Alemanha e França relativamente à crise na zona euro, além do reconhecimento da necessidade de anular pelo menos metade da dívida grega e de novas alterações ao chamado Tratado de Lisboa, para reduzir ainda mais a soberania dos Estados que são vítimas destas políticas neoliberais, sempre em nome da dita governação económica. Desde já, ficou a certeza de que, no Conselho Europeu de Dezembro, irão voltar a «debruçar-se sobre as questões das ligeiras alterações ao Tratado, com base num relatório elaborado pelo seu Presidente em estreita colaboração com o Presidente da Comissão e o Presidente do Eurogrupo».

Claro que também estarão de acordo sobre dois objectivos centrais das suas políticas: continuar a apoiar os bancos privados, o sector financeiro, com o dinheiro público obtido através de programas intitulados de austeridade, que trabalhadores e povos continuarão a ver recair sobre os seus ombros e as suas vidas.

Mas de fora de qualquer acordo ficarão, em qualquer caso, as respostas urgentes e as medidas imediatas que se impunham para impedir que a especulação financeira em torno das dívidas soberanas continue a minar qualquer possibilidade de desenvolvimento dos países de economias mais frágeis.

Bem demonstrativas da política de classe da União Europeia são algumas das afirmações contidas nas conclusões do Conselho Europeu de 23 de Outubro. Por exemplo, enquanto se limitam a afirmar que «o Conselho toma nota da proposta da Comissão relativa a um imposto sobre as transacções financeiras», em relação ao sector bancário já aparece uma saudação especial aos progressos alcançado pelo Conselho (ECOFIN) no que toca às medidas para este sector, convidando-o a concluir este trabalho na reunião de 26 de Outubro.
 E acrescentam mesmo que «estas medidas serão uma componente essencial de um pacote mais abrangente, composto por outros elementos, sobre os quais a Cimeira do Euro de 26 de Outubro deverá chegar a acordo».

Mas, na verdade, não haverá qualquer decisão sobre uma questão maior e mais grave da crise actual do capitalismo: a desregulamentação dos mercados financeiros, a especulação que desenvolvem, designadamente com a proliferação de produtos e transacções financeiras no mercado de derivados, que levou à multiplicação de bolhas financeiras, à existência dos paraísos fiscais, essa forma de permitir «legalmente» a fuga aos impostos, à evasão fiscal e todo um conjunto de operações financeiras de branqueamento de capitais e de negócios obscuros e sujos, além da multiplicação de parcerias público-privadas que garantem a grupos económicos privados ganhos substanciais, praticamente sem quaisquer riscos, e privatizações que continuam a ser defendidas pela legislação da UE e exigidas, em massa e ao desbarato, nos países sujeitos à chamada «assistência financeira».

É sintomático que, relativamente à Cimeira do G20, a realizar no início de Novembro, em Cannes, França, as conclusões do Conselho de 23 de Outubro afirmem que «a aplicação de medidas macroeconómicas sólidas deverá estar na primeira linha da resposta aos choques dos fluxos de capitais, devendo o G20 continuar a promover a abertura dos mercados de capitais e a evitar o proteccionismo financeiro».

É certo que, depois, caem, aparentemente, nalgumas contradições, falando vagamente do reforço da regulação e da supervisão do sector financeiro, do «reforço da regulação do sistema bancário paralelo, combate aos paraísos fiscais e redução da confiança excessiva nas notações de crédito». De forma ainda mais vaga e mais distante, é dito que se deve «estudar a possibilidade de introduzir um imposto sobre as transacções financeiras a nível mundial e continuar a aprofundar esta questão». Ou ainda sobre a «redução da excessiva volatilidade dos preços dos produtos de base», afirmando a necessidade de «reforçar a transparência dos mercados desse tipo de produtos e aperfeiçoando o funcionamento e a regulação dos mercados de produtos derivados».

Os responsáveis da União Europeia sabem que estes são problemas graves do sistema financeiro para os quais contribuíram de forma decisiva, e que estão a agravar toda a situação actual, mas, dado o seu enfeudamento ao sistema financeiro, limitam-se a fazer enunciados de intenções gerais para não ficar mal na fotografia internacional da Cimeira do G20. É, de facto, o cúmulo da hipocrisia a que se chegou nesta União Europeia.

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