Governo quer substituir direitos pelo assistencialismo
Verdades e mentiras sobre a Segurança Social
por Anselmo Dias:
«É preciso
libertar o Estado de pagar, no futuro, pensões extraordinariamente elevadas,
porque isso já não é protecção, é sim gestão de poupanças».
O indivíduo
que bolsou tal propósito foi o actual ministro da Solidariedade, o dr. Mota
Soares, personagem que, no Governo, ombreia com todos aqueles que, no plano dos
valores e do comportamento, pretendem substituir o direito de cidadania pelo
assistencialismo e pela caridade, conferindo às almas de boa vontade a função
que, no passado, coube «à sopa do Sidónio».
Mas não só.
Vejamos por
partes.
Há, em
Portugal, no sistema público de Segurança Social e na Caixa Geral de
Aposentações, «pensões extraordinariamente elevadas»?
Não. Não há!
Primeiro
exemplo: No sistema
público de Segurança Social, em 2010, havia apenas 869 titulares com pensões
superiores a 5000 euros, ou seja, no universo dos reformados e pensionistas por
velhice e invalidez apenas 0,05 por cento
Isto
significa que apenas um em cada dois mil reformados beneficiavam daquela
pensão.
Com este
rácio, só o ministro atrás referido e os demagogos da escola de Medina Carreira
estão habilitados a dizer que no sistema público de Segurança Social há
reformas milionárias.
Mas se a
análise for feita na base das pensões superiores a 1000 euros então poderemos
afirmar que tal universo corresponde a cerca de 5% (cinco por cento) do número
total de reformados por velhice e invalidez, valor que seria ainda mais
reduzido se nesses cálculos integrássemos os cerca de 700 000 beneficiários da
pensão de sobrevivência cuja reforma média é inferior a metade daquilo que, em
Portugal, é referido como o valor correspondente ao limiar da pobreza.
Segundo
exemplo: No regime
da função pública (Caixa Geral de Aposentações) a situação é algo diferente.
Com efeito,
cerca de 50% dos reformados e aposentados recebem pensões superiores a 1000
euros e 4839 beneficiavam, em 2010, de pensões superiores a 4000 euros.
Porque é que
estas pensões são superiores às do sistema público de Segurança Social, ou
seja, àquele que corresponde ao sector privado da economia? Porque a estrutura
laboral é bastante diferente.
Tenhamos
presente que os reformados da Caixa Geral de Aposentações integram diplomatas,
juízes, oficiais das Forças Armadas, professores, médicos, economistas,
engenheiros, arquitectos, bem com outros licenciados.
Estamos,
pois, a falar de um emprego com características diferentes daquelas que
predominam no sector privado, muito influenciado por baixos salários,
designadamente, nas indústrias têxtil, vestuário, calçado, mobiliário, a que se
junta os sectores do comércio a retalho, a hotelaria e turismo e a construção
civil.
Conclusão: Não há, nos regimes atrás
referidos, e apenas nestes, em termos numéricos, as «pensões extremamente
elevadas» conforme referiu o ministro que, numa «palhaçada com toda a pinta»
foi de «lambreta» aquando da tomada de posse e que regressou, algum tempo
depois, de automóvel de alta cilindrada guiada por um motorista às ordens.
Repetimos:
não há pensões elevadas. Mas se houvesse qual seria o problema? Nenhum!
As pensões
elevadas correspondem a salários elevados e a longos períodos contributivos.
Estas
pensões elevadas correspondem a cidadãos que durante muito tempo fizeram elevados
descontos que contribuíram para a sustentabilidade do sistema, beneficiando,
por via do regime de repartição, as prestações sociais dos sectores mais
desfavorecidos, ou seja, estamos a falar de uma verdadeira solidariedade no
interior do sistema.
O problema
da Segurança Social não reside nas pensões elevadas, reside, isso sim, nos
baixos salários, nos reduzidos períodos contributivos e num sistema de
financiamento que passa ao largo do lucro das empresas.
Outra coisa
bem diferente são as
pensões escandalosas de todos aqueles que tendo passado pelo governo e pela
Assembleia da República fizeram o percurso clássico do Banco de Portugal,
da Caixa Geral de Depósitos, dos institutos públicos, sem esquecer as
empresas do sector empresarial do Estado.
Aqui, sim.
Aqui há pensões obscenas que beneficiaram pessoas que sem terem atingido a
idade legal da reforma, sem terem contribuído para o sistema público e que, de
nomeação em nomeação foram, sucessivamente, acumulando pensões, não obstante
alguns deles usufruírem de elevados salários pelo exercício de lugares de
administração.
Neste
«fartar vilanagem» quem não se lembra da pensão dourada de Mira Amaral, gamada
aos nossos impostos pelo exercício efémero na Caixa Geral de Depósitos?
Moral de
duas histórias:
- as pensões elevadas provenientes, quer do sistema
público de Segurança Social, quer da Caixa Geral de Aposentações são reformas
legítimas porque correspondem a descontos efectuados, correspondem a um
determinado período contributivo, correspondem, nos termos da lei, a uma
fórmula matemática aplicada a todos sem excepção, ou seja, respeitando o
princípio da universalidade, a que acresce o facto, já atrás referido, de essas
pessoas terem contribuído, solidariamente, com os seus descontos, para a
sustentabilidade do sistema;
mas a
elevada pensão de Mira Amaral (18 000 euros), a pensão da jovem presidente da
Assembleia da República, Assunção Esteves, bem como a de empresários e
administradores de empresas, como sejam Carlos Melancia, Dias Loureiro, Armando
Vara, Jorge Coelho, Joaquim Ferreira do Amaral, Eduardo Catroga, entre muitos
outros, essas pensões concedidas «legalmente» por decisão do PSD e CDS-PP não
incomodam o ministro Mota Soares e o dr. Medina Carreira?
O
plafonamento
Voltemos ao
ministro Mota Soares, o qual, a pretexto das pensões extraordinariamente
elevadas, «admitiu a introdução do plafonamento...».
O que é o
«plafonamento»? O «plafonamento» corresponde à fixação de um valor no salário,
a partir do qual não são feitos descontos para a Segurança Social.
Vamos
admitir que um trabalhador ganha 6000 euros por mês.
Vamos
admitir que o plafonamento corresponde a 3000 euros.
Com base
nesta premissa teórica deixaria de haver descontos para a Segurança Social no
valor de 3000 euros, de que resultaria:
- um ganho
para o patrão de 9975 euros por ano;
uma economia
para o trabalhador de 4620 euros por ano.
Isto
significaria que a Segurança Social ficaria, no caso em apreço, mais pobre em
14 595 euros, valor circunscrito apenas a um caso.
Se
multiplicarmos este exemplo por milhares de situações similares estaremos em
condições de dizer que as receitas da Segurança Social ficariam debilitadas em
muitos milhões de euros, o que iria determinar uma evidente diminuição das
prestações sociais, ou seja, a menos receita corresponderia menos despesa. Este
é um exemplo limite.
Poderá haver
uma outra hipótese, como seja a obrigatoriedade de o valor não descontado para
a Segurança Social ser canalizado para um sistema de capitalização, a ser
gerido pelo sistema financeiro.
Se a ideia
do Governo for esta, os banqueiros esfregarão as mãos de contentamento porque
isso dar-lhes-ia acesso a uma maior liquidez, liquidez sofregamente reclamada
pela banca numa altura em que estão fechadas as torneiras no acesso ao crédito
estrangeiro.
Se a ideia
do Governo for esta, bem poderão os trabalhadores abrangidos pôr as barbas de
molho sabido, como se sabe, da volatilidade do valor das acções como
comprovadamente se verifica nas empresas cotadas em bolsa, de que o BCP
é um caso exemplar: cerca de 11 cêntimos por acção. (cotação em 9/11/2011).
A colocação
da parte não descontada para a Segurança Social no sistema financeiro seria, em
nossa opinião, um crime de lesa-trabalhador, na medida em que estaria sujeito
ao sobe-e-desce das cotações, realidade que os trabalhadores não dominam, pelo
que a implantação do «plafonamento» corresponderia a trocar o certo pelo
incerto.
Há uma outra
hipótese, esta em beneficio das empresas, ou seja, a pretexto do «plafonamento»
deixarem de contribuir para a Segurança Social, de acordo com o exemplo atrás
referido, a partir de um certo valor do vencimento. Os defensores desta
modalidade invocarão, de certeza, a chamada competitividade resultante da
diminuição do custo do trabalho. No fundo esta hipótese teria os efeitos de uma
redução parcial da taxa social única, objectivo previsto no texto inicial
imposto pela troika, cujos resultados correspondem ao aumento do lucro
das empresas.
Finalmente
há uma outra via.
Essa diz
respeito à luta que os trabalhadores do activo devem fazer no sentido da defesa
dos seus interesses, ou seja, impedir a subversão do sistema público de
Segurança Social.
O caminho a
percorrer deve corresponder ao caminho do progresso e não ao da regressão,
àquele que está plasmado na acção do actual Governo, que se reclama de direita
mas cuja acção tem, desde já, inúmeros pontos de contacto com um projecto
fascizante.
Pensões
mínimas
Voltemos,
mais uma vez, ao ministro Mota Soares.
Este indivíduo,
durante a última campanha eleitoral para a AR, prometeu aumentar as pensões
mínimas. Chegado ao Governo, utilizou umas vezes o conceito de «pensões
mínimas», outras vezes o conceito de «pensões baixas», tudo isto à mistura com
um número: haverá, segundo ele, uma actualização envolvendo um milhão de
beneficiários, promessa que a comunicação social tem acefalamente reproduzido.
O conceito
de «pensão baixa» e «pensão mínima» não é coincidente, diferença que não é
possível, por falta de espaço, desenvolver neste artigo.
Vejamos,
então, apenas estas últimas.
As pensões
mínimas são oito, assim distribuídas:
- uma
relativa ao regime não contributivo, (RNC);
uma relativa
ao regime especial das actividades agrícolas, (RESSAA);
duas
relativas ao sistema da função pública, (CGA);
quatro
relativas ao sistema público de Segurança Social, (CNP).
Os valores
dessas pensões são, actualmente, os seguintes:
- pensão
social, (RNC), 189,52 euros;
pensão dos
agrícolas (RESSAA), 227,43 euros;
pensão de
sobrevivência na função pública, 115,10 euros;
pensão de
velhice na função pública, 230,20 euros;
pensão da
CNP, com menos de 15 anos de carreira contributiva, 246,36 euros;
pensão da
CNP, com 15 a 20 anos de carreira contributiva, 274,79 euros;
pensão da
CNP, com 21 a 30 anos de carreira contributiva, 303,23 euros;
pensão da
CNP, com 31 ou mais anos anos de carreira contributiva, 379,04 euros.
Estas são,
legalmente, as pensões mínimas, aquelas que o actual ministro Mota Soares
prometeu serem aumentadas durante a última campanha eleitoral.
Chegado ao
Governo mudou de discurso, cujas palavras, nas suas intervenções públicas, vão
todas no sentido de considerar «pensões mínimas» apenas três: a pensão social,
a pensão dos agrícolas e a pensão da CNP relativa aos reformados com menos de
15 anos de carreira contributiva, ficando assim de fora todos os reformados com
mais de 15 anos de descontos, a que acrescem as pensões por velhice e de
sobrevivência da função pública.
Não obstante
este corte, o ministro Mota Soares continua a falar de um milhão de pessoas a
ser abrangidas, sabendo ele muito bem que esse número é um valor demagógico,
apenas utilizado para intoxicar a opinião pública.
Acrescentemos
a esta demagogia um outro dado dramático: a actualização que o Governo
PSD/CDS-PP promete fazer, de acordo com os dados constantes no OE, são os
seguintes, na base de um aumento de 3,1%, caso, entretanto, este não venha a
ser alterado:
- 5,88 euros
por mês para a pensão social;
7,05 euros
por mês para a pensão dos agrícolas;
7,64 euros
para a pensão daqueles com menos de 15 anos de carreira contributiva.
Com o
aumento dos transportes, da electricidade, do gás, das rendas de casa, dos
medicamentos, das taxas moderadoras, dos produtos alimentares, o que fica daqueles
aumentos?
Certamente,
um menor poder de compra.
Certamente,
mais fome, mais desconforto no Inverno, mais privação nos remédios, mais
pobreza envergonhada, mais solidão e, seguramente para muitos, uma regressão na
longevidade.
No contexto
da resolução do défice orçamental, a morte antecipada de muitos reformados, por
falta de recursos é, para essa gente que está no Governo, uma bênção do céu.
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