1.Uma crise profunda brutaliza a pátria portuguesa. Uma crise
encaixada, embebida na crise do capitalismo. Uma crise que “revelou”,
todas as fragilidades, todos os défices estruturais, todos os
estrangulamentos do País. Um processo cumulativo, que agora implodiu e
explodiu, detonado pela crise do capitalismo.
Bateu-nos à porta e não pediu licença para entrar. Estava cá dentro
em gestação. Não aconteceu por acaso. É o resultado de opções políticas.
Tem responsáveis: PS, PSD e CDS/PP, os partidos, os seus dirigentes
políticos, os seus governos, que assumiram ao longo dos últimos 36 anos a
política de recuperação capitalista, latifundista e imperialista e
golpearam o regime de Abril, com sucessivas contrarrevoluções
legislativas e revisões constitucionais.
E eis que ontem, esses partidos, PS, PSD e CDS/PP, pretensamente para
responder ao desastre nacional a que conduziram o País, subscreveram um
Pacto de agressão e de traição a Portugal e aos portugueses. Um Pacto
que pela sua natureza e conteúdo é um ajuste de contas com Abril, que
hoje comemoramos!
Um Pacto que agride núcleos da soberania e independência nacionais.
Aceitando imposições externas sobre a organização dos tribunais, um
Órgão de Soberania.
Impondo um novo riscar do mapa das freguesias e concelhos. Um Pacto,
que agora com o dito Tratado Orçamental, pretende impor o visto prévio
de potências e poderes estrangeiros, à soberana gestão das contas do
Estado português. Impor a jurisdição de tribunais externos sobre o
Tribunal Constitucional, sobre a Constituição da República.
Sabemos como alguns justificam a submissão ao Pacto. Seria a
recuperação da soberania económica, pelo saneamento das contas do
Estado.
É uma fraude política. As imposições económicas, as taxas de juro, os
prazos e as condições da aplicação, não asseguram qualquer
sustentabilidade presente ou futura das contas públicas.
E é uma blasfémia política. É como se o caminho para resistir a
Castela em 1383/1385, passasse por fugir a Aljubarrota. Como se o
caminho para afirmar a independência nacional em 1580, passasse pela
aceitação do jugo filipino. Como se o caminho em 1808, fosse a fuga para
o Brasil e a colaboração com os ocupantes e não a resistência às
invasões napoleónicas.
Percebemos o afã no apagamento simbólico da história pátria, do 5 de
Outubro, do 1º de Dezembro, ou da marca da história no desenho das
freguesias e concelhos.
As classes dominantes, grande parte das suas elites, sempre foram,
com excepções, permeáveis à colaboração com o estrangeiro opressor e
explorador, em defesa dos seus interesses de classe. Foram as forças do
capital monopolista restaurado e as forças políticas, PS, PSD e CDS, que
impulsionaram a sua restauração, que transformaram o Estado Português
no processo de integração comunitária, numa enorme junta de freguesia.
As mesmas forças, que agora aceitam a sua transformação num protectorado
da Alemanha.
E tem sido sempre, o pé-descalço, os condenados da terra, os
trabalhadores e o povo, com outros patriotas de muitas condições
sociais, a levantar a voz, a erguer a resistência, a dar o corpo à
revolta. Foi assim que chegamos e fizemos Abril!
Um Pacto de agressão aos trabalhadores e ao povo.
Que tem como outro vector a guerra ao trabalho. Ou seja, consolidar o
modelo de mão-de-obra barata, precária e baixo valor acrescentado, que
trouxe o País até à crise.
A contrarrevolução na legislação laboral e o crescimento da massa dos
desempregados, o exército de reserva, só têm um objectivo: baixar o
preço da força de trabalho! A variável única de ajustamento dos
desequilíbrios económicos do país, para os testamenteiros do Pacto.
Este foi e é o caminho do desastre. E, é uma enorme mentira política,
que nem os cânones da economia capitalista consentem, fazê-lo em nome
da produtividade e competitividade e do emprego. Nenhuma trabalhadora
têxtil, que leva para casa, ao fim de uma vida de trabalho de 35 anos na
mesma empresa, o SMN/485 euros, vai ser agente de mais produtividade.
Um colossal embuste, que os dados empíricos pós sucessivas reformas da
legislação laboral, não consentem como argumento, para melhorar a
produtividade e combater o desemprego.
Um Pacto de agressão e regressão social e civilizacional na restrição e
encarecimento do acesso à saúde, ao ensino e aos apoios sociais, visando
de facto a destruição do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública,
do Sistema Público de Segurança Social. Um Pacto que agravará as
desigualdades sociais e as assimetrias regionais.
Um Pacto de agressão e regressão na soberania económica do país, com a
liquidação do que ainda restava de instrumentos de comando estratégico
do Estado em sectores e empresas estratégicas de bens e serviços
essenciais. Pela dádiva das golden shares/acções privilegiadas, pela
conclusão da privatização/venda a pataco do que restava das posições do
Estado.
E tem um grande simbolismo, que em vésperas do 25 de Abril, um
Governo que inscreveu no seu Programa, a reindustrialização do país,
tenha dado luz verde ao processo de desmantelamento e deslocalização da
que é hoje a principal empresa industrial em Portugal: a CIMPOR, uma
construção de Abril!
2. A crise do capitalismo, obriga a classe dominante a redobrados
esforços de manipulação para explicar e esconder as causas e os
responsáveis pela catástrofe.
Depois da Europa connosco, da Adesão à CEE, do euro, sempre apresentados
como caminho de sentido único e inelutável e garantia do paraíso na
terra, os portugueses não precisavam de se preocupar com essa coisa da
produção nacional. (Houve quem teorizasse sobre a desmaterialização da
economia - na nova economia, não precisávamos nem de agricultura nem de
produzir, ferro, cimento, ácido sulfúrico!) Não precisávamos de nos
preocupar com o endividamento externo e o financiamento do Estado.
Abrigados sob a asa protectora da União Europeia, do euro, estávamos a
salvo das crises monetárias e financeiras. União Europeia que
regularmente ia despachando para Portugal uns milhares de milhões de
euros…como contrapartida à destruição do aparelho produtivo!
É assim que a imposição do Pacto de agressão, aparece como um absurdo, uma irracionalidade!
Justificações: “Todos somos responsáveis pela situação a que o País
chegou”. “Vivemos acima das nossas possibilidades”. Ou seja, a
extraordinária ideia, de que todos somos culpados e de que todos comemos
mais do que devíamos. Os ricos e os pobres, os que enriqueceram e os
que empobreceram e se endividaram. Os desempregados e os que os
despediram, os que põem o seu dinheiro nos offshores ou na Holanda para
fugir ao fisco. Os grupos monopolistas, que centralizaram e concentraram
capital, e engordaram nos jogos bolsistas, na especulação financeira,
na produção privatizada de bens não transacionáveis, e as pequenas
empresas, que faliram ou sobreviveram por recurso ao crédito.
Teses que partilharam o espaço mediático com outras justificações/explicações da crise.
A explicação da crise como catástrofe natural, um tsunami,
“naturalizando”, neutralizando, as suas causas. A explicação pelas
idiossincrasias e natureza do povo português. O trabalhador português,
preguiçoso e indisciplinado, precisa do aguilhão patronal e da fome.
Logo facilidades para despedir, menos subsídio de desemprego. O
cidadão tem o vício atávico e sadomasoquista de frequentar urgências
hospitalares! Logo mais e maiores taxas moderadoras!
A explicação da crise pelas gorduras do Estado, a diabolização do Estado, da despesa pública, do funcionalismo público.
A crise é uma oportunidade de ouro para os talhantes neoliberais de
todos os matizes raparem as gorduras, com muita carne do lombo à
mistura. Justificações e explicações que expulsam a política das causas
da crise, a identificação e responsabilização dos responsáveis
políticos, dos partidos e dos governantes, PS, PSD e CDS, pelo estado a
que chegamos.
Justificações e explicações que suportam/desenvolvem as teses da
judicialização e criminalização da decisão política. De que os problemas
do País decorrem da má qualidade dos políticos e elites políticas. Da
(in)competência dos “gestores/decisores” públicos. Da (des)honestidade e
da corrupção dos políticos. Não há opções e escolhas políticas e
ideológicas. Não há alternativas políticas e políticas alternativas! A
política passou a ser uma tecnologia, uma moral, uma engenharia
eleitoral.
Não há política. Os partidos seriam mesmo outra coisa, que não a
representação política de interesses de classe. E assim se elimina o
questionamento das opções políticas estratégicas: integração
comunitária, privatizações, o Estado de Abril.
É assim que carregam a crise – a dívida externa, o défice orçamental,
a ruína da agricultura e pescas, a falta de médicos, o desastre da
justiça, etc – nas formas orgânicas e eleitorais do sistema político, no
regime democrático de Abril. Há quem escreva sobre a “Dívida pública e
défice democrático”. E assim se esvaem as responsabilidades dos partidos
e políticos, PS, PSD e CDS/PP, que governaram e governam o país, e se
absolvem as responsabilidades da integração capitalista europeia e do
euro. É assim que se faz de uma anónima classe política a culpada única
dos nossos problemas, porque assim ninguém é responsável, mesmo os
responsáveis!
É assim que se encena uma monstruosa fraude política, fazendo do nº de
freguesias e concelhos os bodes expiatórios dos desequilíbrios das
contas públicas. Do nº de feriados, a grande causa da falta de
produtividade da economia nacional. Do nº de deputados a origem do
desastre nacional. É assim que todos os problemas do País se resolvem
facilmente pela criação dos círculos uninominais, pela redução do nº de
deputados, pela extinção de freguesias, pelos executivos autárquicos
monocolores. Pela mudança dos sistemas eleitorais.
E é assim, pensam alguns, que se vai travar a mentira eleitoral e a
duplicidade sistémica e sistemática de partidos e políticos deste e
anteriores governos. No governo, o contrário do que se dizia na
oposição. Na oposição, o contrário do que se fazia no governo. O que é
um cancro na democracia!
Esta ocultação dos partidos e das políticas responsáveis pelo
desastre tem outra face e utilidade. A ocultação de quem afirmou no
tempo certo, antes da Adesão, que o euro não era compatível com a
produtividade e a economia nacional. De que o euro representava o
financiamento do Estado nas mãos dos mercados financeiros. De quem
denunciou as consequências da PAC e não descobriu agora o abandono das
terras e a importância da produção agrícola. De quem denunciou o abate
da nossa frota pesqueira e o fim da marinha mercante e não descobriu
agora a importância do mar. De quem travou um persistente combate à
privatização e desmantelamento de empresas estratégicas e à liquidação
de importantes fileiras e unidades industriais, e não descobriu agora
que precisamos de industrializar o País. De quem sistematicamente
alertou para a gravidade do vultuoso défice comercial e a
insustentabilidade do endividamento externo!
O Partido Comunista
Português.
3.A concluir. Permitam que saúde a festa de Abril nesta Assembleia da
República, que não poderá deixar de ser, como são hoje as ruas e praças
de Portugal, uma casa de Abril. Permitam que alguém que era alferes
miliciano, com a emoção que ainda hoje sinto, lembre e saúde o meu
Quartel, a Escola Prática de Serviço de Material, a EPSM de Sacavém, os
seus soldados, sargentos e capitães, com quem vivi dias memoráveis. E
que saudando os militares de Abril, o MFA, o glorioso Movimento das
Forças Armadas, lembre por todos, Vasco Gonçalves, que foi soldado,
capitão e general deste povo que não o pode esquecer!
Já quase tudo foi dito sobre essa manhã clara e vibrante, quente e
luminosa, desse Abril, já tão longe e ainda tão perto, da nossa razão,
do nosso sonho, da nossa vida. Dessa manhã amada e armada dos sinos da
nossa liberdade colectiva. Dessa alvorada, manhã depois da noite do
fascismo. Desse parto e porto de alegria, depois da triste escuridão de
opressiva ditadura.
Desse sonho acordado e acendido depois de milhares de dias de medos e
tormentos, de dores e sangue, de separação e ausências, desses dias
cheios de grades, que era “vestido para todas as idades”. Dessa manhã,
foz do rio de lutas, de coragens desconhecidas, de mulheres e homens
assumidos, de paciências insuspeitas e corrosivo desfilar de desespero,
de impotência, do escoar dos dias na desesperança da vil tristeza em que
vivia este povo.
Rio tão cheio de sacrifícios, de batalhas perdidas e de pequenos
passos na consciência das gentes, tão cheio dos operários, tão cheio dos
jovens desta terra aberta ao mar e ao sul. Rio cheio do nosso povo.
Rio que desaguou fraterno, solidário, de grito aberto nas bocas, de
lágrimas sentidas nos rostos, de corpos abraçados de alegria, na manhã
clara desse Abril, tão nosso e tão de todos, que ainda hoje sentimos o
nó na garganta e uma funda turvação na memória. Desse Abril, Maio na
rua. Maio da nossa força, bandeira proletária de luta. De trabalhadores,
sem outra ambição que o generoso projecto de quebrar as grilhetas
seculares da opressão e da exploração. Dos homens por outros homens. Dos
povos por outros povos.
E apesar de tudo, o que depois aconteceu, foi assim que avançamos.
Abril, que foi o louvor da política, optou. Decidiu o salário mínimo.
Optou pelos direitos dos trabalhadores contra os interesses do capital.
Optou pelos que não tinham escola nem saúde. Optou pelos sem terra
contra os que a tinham em demasia. Optou pela paz contra os interesses
dos que faziam a guerra. Optou pela liberdade de todos os povos como
fundamento da nossa própria liberdade.
E hoje, é o projecto de Abril, os valores de Abril que podem iluminar
o caminho a Portugal e aos portugueses. Do passado para o futuro, a
liberdade, a democracia, o desenvolvimento, a justiça social, a
soberania e a independência nacional!
Um caminho de necessária ruptura e alternativa.