domingo, 1 de abril de 2012

OUVE-SE O RUFAR DOS TAMBORES


OUVE-SE O RUFAR DOS TAMBORES, 
TUDO PELA NAÇÃO, NADA CONTRA A NAÇÃO
                     
texto por José Veloso
                        
No mínimo dos mínimos, digo que são alarmantes, se não mesmo ameaçadores, acontecimentos recentes, destes nossos dias que para muitos já são de medo. Medo do presente, medo do futuro. De perder o emprego, para quem o tem, de não o vir a ter, para quem ambiciona uma vida adulta, de cidadania com direitos. E muitos, muitos outros medos, até ao drama maior do medo da vida, do futuro.                               
Que muitos vivem sem medo, me dizem, e cheios de razão. É verdade, e isso é que é terrível, esses dois mundos serem feitos coexistir em conflito na nossa mesma sociedade, no que deveria ser uma equilibrada comunidade de cidadãos livres, em que os direitos a uma vida em paz, fossem garantidos para todos pela Justiça dum Estado igualmente justo.

Mas, na realidade, encontro preocupantes analogias entre situações de hoje e as de tempos que julgava nunca mais precisar de citar, a não ser para acusar e não deixar esquecer.
É que vejo uma personagem alcandroada a ministro decretar que, em sede duma pretendida reforma do Poder Local, as instituições de Poder Local que emitirem parecer contrário às orientações da tutela, serão consideradas como não se tendo pronunciado. Recordei logo que, no referendo para a Constituição de 1933, que consagrava o regime fascista em Portugal, foi decretado que as abstenções eram contadas como votos a favor. 
 
Também acabo de ouvir outro personagem do mesmo jaez vir dizer que a brutalidade da repressão policial sobre jornalistas e manifestantes, a quando da ultima greve geral, não é representativa por ter sido um caso de excepção. Nunca ele quererá perceber que é exactamente nos casos que não são de normalidade, nos casos de excepção, que se revelam, e se avaliam, a qualidade e a natureza das instituições e dos indivíduos. E que, neste caso, tiveram um comportamento, incluindo o dele próprio, mais que inaceitável face aos valores da democracia. Foram civicamente indignos.
Fez-me lembrar, não esqueço, e esse dito ministro que também não esqueça, que o ditador fascista legitimou os assassinos da Pide, quando catalogou a tortura contra cidadãos por delito de opinião, como “uns tabefes dados a tempo”.

Pois digo que agora também não queria acreditar no que eu via, quando dois militares da GNR entraram na Câmara Municipal de Barrancos, para indagar sobre participação de trabalhadores na ultima greve geral. É preciso, de facto, que as personagens ministeriais que ocupam a superior tutela daquela instituição policial, existente e respeitada na Republica Portuguesa para a garantia e protecção dos direitos constitucionais dos cidadãos, tenham descido ao mais baixo patamar no procedimento da autoridade que lhes foi outorgada pela democracia, quando lhe destinaram uma tarefa que caracterizara a repugnante Pide fascista.
E aqui também recordei a coragem e firmeza com que vi tantos, resistindo ao poder fascista, arriscarem, e sacrificarem, condições de vida e bem estar, seus e de familiares, por recusa em obedecer a exigências e pressões da natureza daquela investigação.

Refiro isto com a força moral de ter apreciado noutros a simples dignidade cívica, como quando um dia, em Aveiro, tendo um desconhecido enfermeiro acabado de gratuitamente me suturar o ferimento causado pela repressão fascista durante uma manifestação pacífica pela democracia, vi ele polidamente recusar um donativo meu à instituição de saúde, explicando que, para o aceitar, teria que me identificar no recibo. Percebi que assim evitava o risco da minha identificação pela Pide.

Não resisto a comparar a dignidade destas atitudes, com a postura de mais outro personagem a que chamam ministro, decretando que criava 10.000 (dez mil) novos lugares para velhos em lares e instituições similares, colocando novas camas onde coubessem. Isto é mais do que falta de vergonha na desumanidade e insensibilidade em tratar velhos como coisas inúteis que se amontoam de qualquer maneira em armazéns, por bonitos que sejam. Isto é uma insultuosa atitude ideológica que, mais uma vez recordo que assim acontecia durante o fascismo, recusa aos velhos a garantia de um final de vida em condições de dignidade, que lhes deveria ser proporcionada pelo Estado democrático que o 25 de Abril quis para Portugal, no respeito pela velhice de cidadãos de pleno direito.
Considero ainda ter toda a legitimidade para, ouvindo este primeiro ministro declarar que iria governar como queria, “custe o que custar”, me vir à memória o ditador fascista declarando, em 1928, “sei muito bem o que quero e para onde vou”, concluindo “mas que (o País) obedeça quando se chegar à altura de mandar”. 
 
Não vivemos em tempos de caridades nem de tolerância ou benefício da dúvida, para com objectivos escondidos atrás de falsas boas intenções, ou mascarados de hipócritas preocupações sociais. Há todos os motivos para estar alerta e compreender os perigos que se estão a se desenhar para a democracia e para os direitos constitucionais dos cidadãos.

Pois nestes dias, subscrevo Manuel Alegre e Adriano Correia de Oliveira quando cantaram na Praça da Canção, em acto de resistência, que há sempre alguém que diz não. E junto a minha voz aos que voltam a dizer não, e alto e bom som, repito NÂO, não quero isto, quero, para os meus filhos e netos, para o meu País, a justiça e a paz democrática.


José Veloso, Abril 2012




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