TUDO PELA NAÇÃO, NADA CONTRA A NAÇÃO
texto por José Veloso
No
mínimo dos mínimos, digo que são alarmantes, se não mesmo
ameaçadores, acontecimentos recentes, destes nossos dias que para
muitos já são de medo. Medo do presente, medo do futuro. De perder
o emprego, para quem o tem, de não o vir a ter, para quem ambiciona
uma vida adulta, de cidadania com direitos. E muitos, muitos outros
medos, até ao drama maior do medo da vida, do futuro.
Que
muitos vivem sem medo, me dizem, e cheios de razão. É verdade, e
isso é que é terrível, esses dois mundos serem feitos coexistir em
conflito na nossa mesma sociedade, no que deveria ser uma equilibrada
comunidade de cidadãos livres, em que os direitos a uma vida em paz,
fossem garantidos para todos pela Justiça dum Estado igualmente
justo.
Mas,
na realidade, encontro preocupantes analogias entre situações de
hoje e as de tempos que julgava nunca mais precisar de citar, a não
ser para acusar e não deixar esquecer.
É
que vejo uma personagem alcandroada a ministro decretar que, em sede
duma pretendida reforma do Poder Local, as instituições de Poder
Local que emitirem parecer contrário às orientações da tutela,
serão consideradas como não se tendo pronunciado. Recordei logo
que, no referendo para a Constituição de 1933, que consagrava o
regime fascista em Portugal, foi decretado que as abstenções eram
contadas como votos a favor.
Também
acabo de ouvir outro personagem do mesmo jaez vir dizer que a
brutalidade da repressão policial sobre jornalistas e manifestantes,
a quando da ultima greve geral, não é representativa por ter sido
um caso de excepção. Nunca ele quererá perceber que é exactamente
nos casos que não são de normalidade, nos casos de excepção, que
se revelam, e se avaliam, a qualidade e a natureza das instituições
e dos indivíduos. E que, neste caso, tiveram um comportamento,
incluindo o dele próprio, mais que inaceitável face aos valores da
democracia. Foram civicamente indignos.
Fez-me
lembrar, não esqueço, e esse dito ministro que também não
esqueça, que o ditador fascista legitimou os assassinos da Pide,
quando catalogou a tortura contra cidadãos por delito de opinião,
como “uns tabefes dados a tempo”.
Pois
digo que agora também não queria acreditar no que eu via, quando
dois militares da GNR entraram na Câmara Municipal de Barrancos,
para indagar sobre participação de trabalhadores na ultima greve
geral. É preciso, de facto, que as personagens ministeriais que
ocupam a superior tutela daquela instituição policial, existente e
respeitada na Republica Portuguesa para a garantia e protecção dos
direitos constitucionais dos cidadãos, tenham descido ao mais baixo
patamar no procedimento da autoridade que lhes foi outorgada pela
democracia, quando lhe destinaram uma tarefa que caracterizara a
repugnante Pide fascista.
E
aqui também recordei a coragem e firmeza com que vi tantos,
resistindo ao poder fascista, arriscarem, e sacrificarem, condições
de vida e bem estar, seus e de familiares, por recusa em obedecer a
exigências e pressões da natureza daquela investigação.
Refiro
isto com a força moral de ter apreciado noutros a simples dignidade
cívica, como quando um dia, em Aveiro, tendo um desconhecido
enfermeiro acabado de gratuitamente me suturar o ferimento causado
pela repressão fascista durante uma manifestação pacífica pela
democracia, vi ele polidamente recusar um donativo meu à instituição
de saúde, explicando que, para o aceitar, teria que me identificar
no recibo. Percebi que assim evitava o risco da minha identificação
pela Pide.
Não
resisto a comparar a dignidade destas atitudes, com a postura de mais
outro personagem a que chamam ministro, decretando que criava 10.000
(dez mil) novos lugares para velhos em lares e instituições
similares, colocando novas camas onde coubessem. Isto é mais do que
falta de vergonha na desumanidade e insensibilidade em tratar velhos
como coisas inúteis que se amontoam de qualquer maneira em armazéns,
por bonitos que sejam. Isto é uma insultuosa atitude ideológica
que, mais uma vez recordo que assim acontecia durante o fascismo,
recusa aos velhos a garantia de um final de vida em condições de
dignidade, que lhes deveria ser proporcionada pelo Estado democrático
que o 25 de Abril quis para Portugal, no respeito pela velhice de
cidadãos de pleno direito.
Considero
ainda ter toda a legitimidade para, ouvindo este primeiro ministro
declarar que iria governar como queria, “custe o que custar”, me
vir à memória o ditador fascista declarando, em 1928, “sei muito
bem o que quero e para onde vou”, concluindo “mas que (o País)
obedeça quando se chegar à altura de mandar”.
Não
vivemos em tempos de caridades nem de tolerância ou benefício da
dúvida, para com objectivos escondidos atrás de falsas boas
intenções, ou mascarados de hipócritas preocupações sociais. Há
todos os motivos para estar alerta e compreender os perigos que se
estão a se desenhar para a democracia e para os direitos
constitucionais dos cidadãos.
Pois
nestes dias, subscrevo Manuel Alegre e Adriano Correia de Oliveira
quando cantaram na Praça da Canção, em acto de resistência, que
há sempre alguém que diz não. E junto a minha voz aos que voltam a
dizer não, e alto e bom som, repito NÂO, não quero isto, quero,
para os meus filhos e netos, para o meu País, a justiça e a paz
democrática.
José
Veloso, Abril 2012
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