Assembleia Municipal de Lagos 27 de Dezembro
PELA REVOGAÇÃO DA LEI DOS COPROMISSOS E DOS PAGAMENTOS EM ATRASO
Nos últimos anos,
o problema dos atrasos nos pagamentos do Estado atingiu uma dimensão alarmante,
afetando todos os setores de atividade e, em particular, os seus elos mais
fracos. O atraso nestes pagamentos afeta negativamente a vida de milhares de
cidadãos, empresas e entidades sem fins lucrativos, constituindo um fator de
agravamento da situação económica e social do País.
Afeta as empresas,
que vêem as suas disponibilidades financeiras ou liquidez postas em causa,
colocando em risco a sua viabilidade económica ou obrigando-as a assumir
elevados encargos suplementares.
Especialmente prejudicadas são as micro,
pequenas e médias empresas, que, forçadas a aguardar pagamentos durante meses
e, por vezes, anos, e tendo muitas delas o Estado como principal cliente,
sentem grande dificuldade em prosseguir a sua atividade.
Assentando numa
visão simplista e deturpadora da realidade, o Governo atribui a origem do fenómeno
dos pagamentos em atraso a uma mera aplicação deficiente dos procedimentos de
registo e controlo de compromissos. Na realidade, o problema tem a sua origem
na política de subfinanciamento dos serviços do Estado nas administrações
central, regional e local, levada a cabo por sucessivos governos.
A obsessão pela
redução do défice orçamental e pelo aparente controlo do crescimento da dívida
pública tem levado sucessivos governos a
negar a diversas entidades públicas, quer a nível central, quer a nível
regional e local, as dotações orçamentais necessárias para cobrir todas as
despesas decorrentes das respetivas funções e competências constitucionais e
legais, colocando-as na indesejável situação de não conseguirem fazer face a
todos os compromissos assumidos.
Partindo de um
diagnóstico errado sobre a origem dos pagamentos em atraso, o Governo enveredou
pelo caminho fácil da imposição de constrangimentos burocráticos e
administrativos à execução da despesa orçamental e à assunção de compromissos
financeiros decorrentes da contratação de serviços, aquisição de mercadorias ou
contratação de pessoal por parte das entidades das administrações central,
regional e local, da Segurança Social e dos hospitais EPE, sem antecipadamente
ter atacado a origem do problema dos pagamentos em atraso, ou seja, o
subfinanciamento crónico dos serviços públicos, desresponsabilizando-se das
opções políticas de suborçamentação e subfinanciamento, passando o ónus para
eleitos regionais e autárquicos, para responsáveis de serviços e empresas
públicas e para os respetivos trabalhadores.
A solução
encontrada pelo Governo, consagrada na Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro (Lei
dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso) é, contudo, completamente
desadequada. Conduz, tal como foi alertado, ao estrangulamento funcional das
entidades públicas e à degradação da sua capacidade de prestarem os serviços
públicos que lhes estão atribuídos.
Compromete as
funções sociais do Estado, visando o favorecimento dos grandes interesses
privados que, desde há muito tempo, procuram apoderar-se dos serviços prestados
pela administração pública, transformando-os em chorudos negócios.
No caso concreto
dos municípios, representa ainda uma inaceitável intromissão na autonomia
administrativa e financeira do Poder Local, consagrada na Constituição da
República Portuguesa. Reconhece-se que algumas normas consagradas na Lei dos
Compromissos e dos Pagamentos em Atraso poderiam ter alguma utilidade. Mas essa
utilidade só se verificaria noutro quadro político, em que a prioridade fosse a
valorização dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, ao serviço
do desenvolvimento económico e do progresso social, em vez da atual política de
corte cego nas despesas e de subfinanciamento, destinada a reconfigurar o Estado,
colocando-o ao serviço dos interesses do grande capital.
Particularmente afetadas pela Lei dos
Compromissos e dos Pagamentos em Atraso têm sido as autarquias locais. A
realidade concreta veio a confirmar as nossas preocupações quanto às consequências nefastas da aplicação
da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso na administração local. A
sua aplicação está a criar inúmeros problemas no quotidiano dos municípios,
impôs dificuldades ao nível da gestão, tornando-a menos ágil e flexível, colocando
mesmo em causa o cumprimento das suas competências e conduzindo à sua
paralisação.
Em muitas
autarquias há diversas equipas paralisadas, por falta de materiais,
impossibilitando a execução de funções ao nível da manutenção urbana, dos
espaços verdes, da conservação das vias rodoviárias ou da manutenção de
refeições e transportes escolares. Em suma a aplicação desta lei, traduziu-se
na asfixia do funcionamento das autarquias, condicionando negativamente a sua
intervenção e a capacidade de resolução dos problemas junto das populações.
Aliás, vários municípios assumiram
publicamente o incumprimento da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em
Atraso, para poderem dar a resposta necessária às respetivas populações. Mesmo
a publicação de um Despacho que permite aos municípios considerar os montantes
a transferir pelo Ministério da Educação ao abrigo dos programas das refeições
e dos transportes escolares, não resolve o problema.
A Associação
Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) expressou veementemente a sua
oposição à Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso ainda no processo de
discussão deste diploma. Reiterando essa posição, as conclusões do XX Congresso
(Extraordinário) da ANMP realizado no passado dia 29 de setembro, defendem a
revogação da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso. Entendem que esta
lei se trata de um “diploma absurdo, completamente alheio ao bom senso que deve
imperar, elaborado por quem desconhece a realidade, que paralisia a gestão
municipal e que arrisca resumir a gestão municipal à gestão de tesouraria e os
eleitos adjuntos de tesoureiros”, e afirmam ainda, que caso se mantenha a
obrigatoriedade da aplicabilidade desta lei, os municípios terão de suspender
“as atividades municipais em aspetos fundamentais nos serviços que prestam às
populações”.
No plano da
administração local não se pode ignorar a ingerência da Lei dos Compromissos e
dos Pagamentos em Atraso na autonomia administrativa e financeira do Poder
Local Democrático, consagrada na Constituição da República Portuguesa. Acresce
ainda as dúvidas de inconstitucionalidade, suscitadas pela ANMP, no que
respeita à intromissão na autonomia do Poder Local Democrático e à equiparação
dos eleitos autárquicos a dirigentes municipais.
Neste sentido, a
Procuradoria-Geral da República pediu a declaração de inconstitucionalidade da
Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, remetendo para o Tribunal
Constitucional.
Face ao exposto a
Assembleia Municipal de Lagos, reunida a 27 de Dezembro de 2012 delibera:
Exigir a revogação da Lei nº 8/2012 de 21 de Fevereiro,
Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso.
Que seja dado conhecimentos desta proposta ao Presidente
da República, à Assembleia da República, ao Governo, aos Municípios do Algarve
e aos Orgãos de Comunicação Social.
Lagos, 27 de
Dezembro de 2012
O Eleito da CDU
José Manuel Freire de Oliveira
Proposta aprovada por maioria
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