segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A CIDADE BRANCA E AS CORES

                                                  
Texto por José Veloso                                                    
                    
Depois das leituras, depois dos debates, das teses e dos conceitos, de repente tudo isso leva-nos a perceber que a Cidade, uma Cidade, não é prédios e ruas. O que acontece no quotidiano do estar na Cidade, é que a temos diante dos olhos e dos sentidos, ou, mais exactamente, que estamos a viver a Cidade. E então realizamos que há que fazer por entende-la, saber o porquê dos encantamentos e das desilusões que transmite, das sensações que provoca, dos apelos e das recusas que dela nascem.                                                                                              

Lagos. O sentimento que desperta, é o do prazer de aqui estar. Percebe-se porquê. É uma Cidade que se deixa descobrir nos seus segredos, que cria surpresas, que se lê nas suas raízes e nas respostas que lhes soube dar, na calma serenidade do viver ao sul.

Lagos é uma Cidade, falamos das velhas ruas, praças e largos, das vistas e das chegadas ao mar que oferece, dizia eu, uma Cidade que ninguém construiu, no sentido de que ninguém foi dizendo como ia ser. Que se fez por si própria, que, parafraseando Sérgio Godinho, soube fazer-se de pequenas coisas, de vivencias, de sítios, recantos e perspectivas com o sempre presente mar ao fundo. Que se percorre sentindo a quási musicalidade que os seus poetas explicaram, que se percorre ao encontro da naturalidade das coisas simples, na autenticidade igual à com realidade dos vivos que sempre a viveram.

Sente-se que era assim, na velha zona urbana. Mas, hoje, mesmo sem falar das mutilações irremediáveis, levantam-se ali incredulidades. Uma, são os novos coloridos nos edifícios. 

 A tal velha Cidade, só velha na idade, que não como sítio para se habitar, Cidade branca e luminosa, meridional, dos claros-escuros da força e intensidade da luz sobre a cal pura da origem, dos brancos em contraponto com a presença dominante dos azuis do céu e do mar mediterrânico, surgindo tal como nestes surgem as nuvens, toda esta calma urbanidade, natural e orgânica, sem excitações, começa a se perder numa proliferação exibicionista de cores avulso, cuja coerência de opção se está por explicar. Que não tem a riqueza das dissonâncias, só o desagradável das intromissões.

Ora aqui, o branco nos edifícios corresponde a esta cultura em que os volumes e espaços da Cidade são consequência, de carácter quási espontâneo, das serenas relações interiores-exteriores da vivência urbana. Assim, a cor é, como se encontra nos sábios exemplos que se mostram aos olhos de quem aprendeu a vê-los, coerentemente utilizada em acentuações passivas, não como referencia volumétrica ou de superfície, que só perturba, como de facto já acontece, a riqueza, até agora inteira, do seu sabor de ambiente meridional.

Nos prolongamentos urbanos de Lagos, este uso da cor está a ser levado à exaustão e ao delírio. Mas não se nega a sua coerência com outras observações que esses locais merecem, mas que agora não se abordam. 

O que quer dizer que muitas outras, e importantes, questões hoje se levantam na Cidade de Lagos. Por agora, fiquemos nas cores dos edifícios da Cidade original (tenho extrema dificuldade em chamar-lhe Centro Histórico, cheira-me a solene velório, a mostruário do que foi e perdeu a vida).

Mas, pelo menos, esta questão é das que se resolvem sem traumatismos, nem sequer esforço.
Só sensibilidade. 

José Veloso, Setembro 2011

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