Texto por José Veloso
Depois das leituras, depois dos
debates, das teses e dos conceitos, de repente tudo isso leva-nos a perceber
que a Cidade, uma Cidade, não é prédios e ruas. O que acontece no quotidiano do
estar na Cidade, é que a temos diante dos olhos e dos sentidos, ou, mais
exactamente, que estamos a viver a Cidade. E então realizamos que há que fazer
por entende-la, saber o porquê dos encantamentos e das desilusões que
transmite, das sensações que provoca, dos apelos e das recusas que dela nascem.
Lagos. O sentimento que desperta, é o
do prazer de aqui estar. Percebe-se porquê. É uma Cidade que se deixa descobrir
nos seus segredos, que cria surpresas, que se lê nas suas raízes e nas
respostas que lhes soube dar, na calma serenidade do viver ao sul.
Lagos é uma Cidade, falamos das velhas
ruas, praças e largos, das vistas e das chegadas ao mar que oferece, dizia eu,
uma Cidade que ninguém construiu, no sentido de que ninguém foi dizendo como ia
ser. Que se fez por si própria, que, parafraseando Sérgio Godinho, soube
fazer-se de pequenas coisas, de vivencias, de sítios, recantos e perspectivas com
o sempre presente mar ao fundo. Que se percorre sentindo a quási musicalidade
que os seus poetas explicaram, que se percorre ao encontro da naturalidade das
coisas simples, na autenticidade igual à com realidade dos vivos que sempre a
viveram.
Sente-se que era assim, na velha zona
urbana. Mas, hoje, mesmo sem falar das mutilações irremediáveis, levantam-se ali
incredulidades. Uma, são os novos coloridos nos edifícios.
A tal velha Cidade, só velha na idade, que não
como sítio para se habitar, Cidade branca e luminosa, meridional, dos
claros-escuros da força e intensidade da luz sobre a cal pura da origem, dos
brancos em contraponto com a presença dominante dos azuis do céu e do mar
mediterrânico, surgindo tal como nestes surgem as nuvens, toda esta calma
urbanidade, natural e orgânica, sem excitações, começa a se perder numa proliferação
exibicionista de cores avulso, cuja coerência de opção se está por explicar.
Que não tem a riqueza das dissonâncias, só o desagradável das intromissões.
Ora aqui, o branco nos edifícios
corresponde a esta cultura em que os volumes e espaços da Cidade são consequência,
de carácter quási espontâneo, das serenas relações interiores-exteriores da vivência
urbana. Assim, a cor é, como se encontra nos sábios exemplos que se mostram aos
olhos de quem aprendeu a vê-los, coerentemente utilizada em acentuações passivas,
não como referencia volumétrica ou de superfície, que só perturba, como de
facto já acontece, a riqueza, até agora inteira, do seu sabor de ambiente meridional.
Nos prolongamentos urbanos de Lagos,
este uso da cor está a ser levado à exaustão e ao delírio. Mas não se nega a sua
coerência com outras observações que esses locais merecem, mas que agora não se
abordam.
O que quer dizer que muitas outras, e
importantes, questões hoje se levantam na Cidade de Lagos. Por agora, fiquemos
nas cores dos edifícios da Cidade original (tenho extrema dificuldade em
chamar-lhe Centro Histórico, cheira-me a solene velório, a mostruário do que
foi e perdeu a vida).
Mas, pelo menos, esta questão é das
que se resolvem sem traumatismos, nem sequer esforço.
Só sensibilidade.
José
Veloso, Setembro 2011
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