Nós também somos madeirenses
Por Bernardino Soares
Membro da Comissão Politica
A dado passo
em A Jangada de Pedra, de José Saramago, quando a Península Ibérica e os
seus povos já iam mar adentro, isolados do resto da Europa, alguém escreveu
numa parede do continente uma frase solidária: Nous aussi, nous sommes
ibériques. A coisa repetiu-se por muitas línguas e lugares, chegando até ao
Vaticano onde em latim se escreveu: Nos, quoque iberi sumus.
Vem isto a
propósito das notícias e reacções dos últimos dias sobre a dívida da Madeira.
Ingénua ou deliberadamente tratou-se o que é a efectiva responsabilidade do PSD
e de Alberto João Jardim na situação da dívida, como se fosse atribuível de
igual modo ao povo da Madeira; misturou-se o efectivo enriquecimento de um
punhado de empresários e empresas próximas do poder regional com a situação
real de uma população fortemente atingida por desigualdades económicas e
sociais; confundiu-se a efectiva e histórica discriminação do povo madeirense
com a bazófia do discurso contra o «continente», instrumento privilegiado da
propaganda jardinista; atribuiu-se à dívida da região a responsabilidade de
consumir o valor que o Governo se prepara para roubar ao subsídio de Natal de
trabalhadores, reformados e pensionistas.
E há ainda o
discurso populista que propõe abandonar os madeirenses à sua sorte, já que têm
eleito o PSD e Jardim, como se no todo nacional não tivéssemos Cavaco Silva na
Presidência e a dupla Passos Coelho/Portas num Governo com maioria absoluta no
Parlamento.
Este tipo de
reacções serve vários interesses.
Serve desde
logo ao PSD e a Alberto João Jardim, para desenvolver a linha de vitimização
que é o cerne da sua campanha eleitoral. Serve, ainda no PSD, quer para tentar
ilibar as suas direcções nacionais deste processo – como se o PSD/Madeira fosse
coisa à parte –, quer para ajuste de contas antigas entre várias facções e
protagonistas deste partido com Alberto João Jardim e a sua trupe.
Serve para
esconder a cumplicidade dos governos com a governação da Madeira. Já poucos se
lembrarão que o Governo PS/Guterres «limpou» uma dívida regional de cerca de
200 milhões de contos, valor da ordem dos actuais montantes, em troca de apoios
à sua maioria relativa na Assembleia da República.
Serve também
a todos os governos que perpetuaram o off-shore ali sediado, sorvedouro
de benefícios fiscais e cujo volume de negócios, que não tem impacto na
economia da região, ao ser contabilizado no PIB regional (com o apoio do
governo regional), provocou a perda de 500 milhões de euros de fundos
comunitários.
Serve ao
CDS, que assim encontra um espaço para procurar demarcar-se da sua participação
no Governo da República, como se isso nada tivesse a ver com as dificuldades
dos madeirenses decorrentes do aumento do custo de vida e dos impostos, do
roubo aos salários e pensões ou do ataque aos direitos laborais e sociais.
Serve ao PS
cujo governo retirou, com a Lei das Finanças Regionais, só entre 2007 e 2009,
157 milhões de euros à região, que é o primeiro subscritor do pacto de agressão
ao País, assinado com o FMI e a União Europeia, causa da destruição económica e
social em curso, também na Madeira.
Serve ao
actual Governo PSD/CDS, que procura branquear as medidas da sua política, a
partir do descalabro da dívida regional e fazer avançar a sua ofensiva contra
as autonomias regionais e o poder local democrático, procurando a centralização
do poder e dos recursos.
Penalizados
em triplicado
A situação
da Região Autónoma da Madeira é muito grave. Mas essa gravidade não se
restringe, nem se pode centrar, no volume da dívida, tais são as gritantes
dificuldades, fruto de políticas regionais e nacionais, a que está sujeita a
população. Não quer isto dizer que não seja indispensável apurar plenamente as
responsabilidades pela situação da dívida. Como o PCP propôs já esta semana na
região e na Assembleia da República, é necessário que o Banco de Portugal apure
a totalidade da dívida regional, quaisquer que sejam as entidades que a
contraíram e que se constitua uma comissão eventual para avaliar não só a
questão da dívida mas também, o que não é menos importante, o destino dado a
estes recursos financeiros nos últimos anos.
O que não é
solução é penalizar em triplicado a população da Madeira: pela insularidade que
continua a pesar fortemente nas suas condições de vida, com as medidas do
programa de agressão em aplicação em todo o País e ainda com a aplicação de
medidas adicionais na região que o Governo já perspectiva.
É por isso
que nós também somos madeirenses: porque precisamos de rejeitar o programa de
agressão ao País e aos portugueses que PSD, PS e CDS querem aplicar; porque
precisamos de derrotar a política de direita que há décadas nos afunda; e
porque precisamos de reforçar o PCP e de ter mais força política e também
eleitoral, seja no todo nacional, seja nas próximas eleições regionais, para
construir uma alternativa de esquerda.
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