quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Nós também somos madeirenses


Nós também somos madeirenses
                                                     
Por Bernardino Soares       
Membro da Comissão Politica 
    
                                                                                         
 A dado passo em A Jangada de Pedra, de José Saramago, quando a Península Ibérica e os seus povos já iam mar adentro, isolados do resto da Europa, alguém escreveu numa parede do continente uma frase solidária: Nous aussi, nous sommes ibériques. A coisa repetiu-se por muitas línguas e lugares, chegando até ao Vaticano onde em latim se escreveu: Nos, quoque iberi sumus.                                           

Vem isto a propósito das notícias e reacções dos últimos dias sobre a dívida da Madeira. Ingénua ou deliberadamente tratou-se o que é a efectiva responsabilidade do PSD e de Alberto João Jardim na situação da dívida, como se fosse atribuível de igual modo ao povo da Madeira; misturou-se o efectivo enriquecimento de um punhado de empresários e empresas próximas do poder regional com a situação real de uma população fortemente atingida por desigualdades económicas e sociais; confundiu-se a efectiva e histórica discriminação do povo madeirense com a bazófia do discurso contra o «continente», instrumento privilegiado da propaganda jardinista; atribuiu-se à dívida da região a responsabilidade de consumir o valor que o Governo se prepara para roubar ao subsídio de Natal de trabalhadores, reformados e pensionistas.
E há ainda o discurso populista que propõe abandonar os madeirenses à sua sorte, já que têm eleito o PSD e Jardim, como se no todo nacional não tivéssemos Cavaco Silva na Presidência e a dupla Passos Coelho/Portas num Governo com maioria absoluta no Parlamento.
Este tipo de reacções serve vários interesses.
Serve desde logo ao PSD e a Alberto João Jardim, para desenvolver a linha de vitimização que é o cerne da sua campanha eleitoral. Serve, ainda no PSD, quer para tentar ilibar as suas direcções nacionais deste processo – como se o PSD/Madeira fosse coisa à parte –, quer para ajuste de contas antigas entre várias facções e protagonistas deste partido com Alberto João Jardim e a sua trupe.
Serve para esconder a cumplicidade dos governos com a governação da Madeira. Já poucos se lembrarão que o Governo PS/Guterres «limpou» uma dívida regional de cerca de 200 milhões de contos, valor da ordem dos actuais montantes, em troca de apoios à sua maioria relativa na Assembleia da República.
Serve também a todos os governos que perpetuaram o off-shore ali sediado, sorvedouro de benefícios fiscais e cujo volume de negócios, que não tem impacto na economia da região, ao ser contabilizado no PIB regional (com o apoio do governo regional), provocou a perda de 500 milhões de euros de fundos comunitários.
Serve ao CDS, que assim encontra um espaço para procurar demarcar-se da sua participação no Governo da República, como se isso nada tivesse a ver com as dificuldades dos madeirenses decorrentes do aumento do custo de vida e dos impostos, do roubo aos salários e pensões ou do ataque aos direitos laborais e sociais.
Serve ao PS cujo governo retirou, com a Lei das Finanças Regionais, só entre 2007 e 2009, 157 milhões de euros à região, que é o primeiro subscritor do pacto de agressão ao País, assinado com o FMI e a União Europeia, causa da destruição económica e social em curso, também na Madeira.
Serve ao actual Governo PSD/CDS, que procura branquear as medidas da sua política, a partir do descalabro da dívida regional e fazer avançar a sua ofensiva contra as autonomias regionais e o poder local democrático, procurando a centralização do poder e dos recursos.

Penalizados em triplicado

A situação da Região Autónoma da Madeira é muito grave. Mas essa gravidade não se restringe, nem se pode centrar, no volume da dívida, tais são as gritantes dificuldades, fruto de políticas regionais e nacionais, a que está sujeita a população. Não quer isto dizer que não seja indispensável apurar plenamente as responsabilidades pela situação da dívida. Como o PCP propôs já esta semana na região e na Assembleia da República, é necessário que o Banco de Portugal apure a totalidade da dívida regional, quaisquer que sejam as entidades que a contraíram e que se constitua uma comissão eventual para avaliar não só a questão da dívida mas também, o que não é menos importante, o destino dado a estes recursos financeiros nos últimos anos.
O que não é solução é penalizar em triplicado a população da Madeira: pela insularidade que continua a pesar fortemente nas suas condições de vida, com as medidas do programa de agressão em aplicação em todo o País e ainda com a aplicação de medidas adicionais na região que o Governo já perspectiva.
É por isso que nós também somos madeirenses: porque precisamos de rejeitar o programa de agressão ao País e aos portugueses que PSD, PS e CDS querem aplicar; porque precisamos de derrotar a política de direita que há décadas nos afunda; e porque precisamos de reforçar o PCP e de ter mais força política e também eleitoral, seja no todo nacional, seja nas próximas eleições regionais, para construir uma alternativa de esquerda.


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