quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O itinerário da pauperização da economia


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O  itinerário da pauperização da economia
                               

Por Anselmo Dias
                                                 

O País dispõe já de dados preliminares relativos aos Censos 2011, cujos resultados, no plano da demografia, evidenciam uma preocupante acentuação da desertificação do território, embora globalmente o País tenha, comparativamente a 2001, mais cerca de 200 mil residentes. Aquilo que foi tornado público não constitui, é certo, nenhuma surpresa, antes confirma a acção política governativa dos últimos 30 anos no fomento das causas tendentes à desertificação.

Confirma o ódio à planificação económica e à harmonização dos investimentos na base da igualdade entre as várias regiões.

Confirma o entendimento de que a agricultura é algo típico das economias terceiro mundistas e uma herança da Idade Média, pelo que não a devemos desenvolver.

Confirma a desindustrialização e o receio da existência de um forte sector operário, a fazer lembrar a resistência de Salazar à industrialização do País.

Confirma um projecto de uma pretensa modernidade alicerçada numa tercearização sustentada em baixos salários.

Confirma o primado da «economia de casino» através da qual, num curto lapso de tempo, assistimos a uma concentração capitalista como raramente aconteceu na nossa história contemporânea.

A desertificação do País não resulta de uma opção de deslocalização acéfala das pessoas.
Ela é o resultado de um conjunto de múltiplas variáveis, cujas componentes mais importantes têm a ver com o modelo de desenvolvimento vigente e com o papel do Estado nas funções ligadas à qualidade de vida das populações.
O País está, pois, por opções políticas, ocupado irracionalmente.
Essa irracionalidade custa caro e tem servido para muitos pretextos, designadamente para o encerramento de linhas de caminho de ferro, de Serviços de Atendimento Permanente, de Centros de Saúde e de escolas.
Entretanto, com a acentuação da desertificação associada à panóplia dos défices (défice orçamental, dívida pública, dívida externa, balança comercial, etc.), o Governo encontra o pretexto para o futuro encerramento de estações dos CTT, de esquadras da PSP e da GNR, de Tribunais, de juntas de freguesia e, até, de concelhos.
Trata-se da conhecida «estória» do «Agarra, que é ladrão», ou seja, aquele que provoca a maldade é o mesmo que pretende incriminar o inocente.
Para se avaliar a dimensão da desertificação do País vejamos, sinteticamente, os seguintes dados.


Análise a nível concelhio

A redução da população a nível dos 308 concelhos do País é, utilizando uma expressão popular, «uma coisa de bradar aos céus».
Com efeito, entre 2001 e 2011 houve uma diminuição de população em 199 concelhos, o que significa que, em cada três concelhos, dois viram a sua população diminuir.
Na impossibilidade de nos referirmos a todos esses concelhos vejamos os casos mais significativos.
Diminuição de população superior a 20%: Alcoutim, no distrito de Faro, e Armamar, no distrito de Viseu. Se estes concelhos continuarem, nas próximas décadas a perder população de acordo com o passado recente, arriscam-se no futuro, no plano autárquico, a uma simples figura de relíquia histórica.
Diminuição entre 15% e 20%: Idanha-a-Nova, Mourão, Carrazeda de Ansiães, Meda, Montalegre, Alijó, Figueiró dos Vinhos, Mértola, Vila Nova de Paiva, Sabugal, Vila Flor, Manteigas, Gavião e Penamacor.
Dos 199 concelhos que perderam população a maior parte encontra-se localizada na Beira Interior, em Trás-os-Montes e no Alentejo.
Nestas três regiões, onde cerca de 92% dos concelhos viram a sua população diminuir, a perda total de habitantes correspondeu, na última década, a cerca de 100 mil habitantes, valor que, grosso modo, corresponde ao aumento populacional no distrito de Lisboa.
Nas restantes regiões, incluindo a frente atlântica, também há muitos concelhos com perda de habitantes, designadamente em toda a faixa litoral a Norte do distrito de Lisboa. Para se ter uma ideia do que estamos a falar basta dizer que nos distritos de Leiria, Coimbra e Aveiro houve 30 concelhos com perda de população, o que evidencia que estamos perante um problema transversal a todo o País, embora com escalas diferenciadas.
Por exemplo:
– no distrito de Lisboa só há dois concelhos com diminuição de população. Referimo-nos à cidade de Lisboa e ao concelho da Amadora;
no distrito de Faro só há três concelhos com diminuição de população. Estão neste caso os concelhos de Alcoutim, Monchique e Vila do Bispo;
no distrito de Setúbal só há quatro concelhos com diminuição de população, três dos quais na região do Alentejo (Alcácer do Sal, Santiago do Cacém e Grândola), a que acresce Moita, o único concelho da Península de Setúbal a perder população.
Dos 199 concelhos que perderam população, a esmagadora maioria diz respeito a pequenos e médios concelhos.
Há, contudo, excepções e essas são as seguintes:
O concelho do Porto perdeu 25 572 habitantes, o de Lisboa perdeu 19 412 e o de Coimbra perdeu 5391.
O concelho do Porto, que ocupa o 4.º lugar em termos populacionais, arrisca-se, num prazo de dez anos, a ser ultrapassado quer por Loures, quer por Cascais. Se a tendência no futuro reflectir o passado recente chegará a altura em que o concelho de Braga ultrapassará o do Porto.
Eis um assunto a merecer uma séria reflexão, dado o conjunto de factores em presença.


Análise a nível distrital

A análise demográfica a cada um dos distritos anda a par daquilo que é o resultado demográfico
dos respectivos concelhos, salvo casos excepcionais, como sejam os relativos às cidades de Lisboa e Porto, cujas perdas de habitantes não é replicada na parte restante desses mesmos distritos.
Com efeito, conforme já atrás foi referido, à perda de habitantes na capital do País corresponde um aumento de 108 971 habitantes no distrito de Lisboa, e à perda de habitantes na cidade do Porto corresponde um aumento de 34 209 habitantes no respectivo distrito.
Há um caso interessante relativo a Braga.
O distrito teve um aumento de 17 078 habitantes, valor praticamente coincidente com o aumento populacional no concelho de Braga, ou seja, o ganho populacional observado no distrito deve-se, expressivamente, àquele concelho.
Analisados estes casos excepcionais vejamos a regra.

Distritos com redução do número de residentes:
distrito da Guarda, com menos de 19 030 habitantes;
distrito de Viseu, com menos de 16 789 habitantes;
distrito de Vila Real, com menos de 16 545 habitantes;
distrito de Bragança, com menos de 12 424 habitantes;
distrito de Castelo Branco, com menos de 12 114 habitantes;
distrito de Coimbra, com menos de 11 490 habitantes.
Seguem-se os distritos de Beja (menos 8505), Portalegre (menos 8066), Évora (menos 6220), Viana do Castelo (menos 5338) e Santarém (menos 71).

Os distritos que tiveram um aumento populacional foram os seguintes:
distrito de Lisboa, com mais 108 971 habitantes;
distrito de Setúbal, com mais 61 383 habitantes;
distrito de Faro, com mais 55 266 habitantes;
distrito do Porto, com mais 34 209 habitantes;
R.A. da Madeira, com mais 23 927 habitantes;
distrito de Braga, com mais 17 078 habitantes.
Seguem-se os distritos de Leiria (mais 11 339), Açores (mais 4339) e Aveiro (mais 686).
Estes elementos permitem concluir que o Sul do País (com excepção do Alentejo) está a ganhar população, embora modestamente, enquanto no centro e no Nordeste do País há uma sangria populacional extremamente grave.
Como se explica, então, os aumentos na Grande Lisboa, na Península de Setúbal no Algarve e na Madeira?
por um aumento da natalidade?
por uma diminuição da mortalidade?
por uma regressão da emigração?
por um aumento da imigração?
por fluxos migratórios internos?
Há, desde já, uma resposta definitiva.
Os aumentos verificados, sobretudo no Algarve, não têm nada a ver com o aumento natural da população, ou seja, o aumento que decorre entre o número de nascimentos e o número de óbitos.
Os dados disponíveis não permitem concluir se tais aumentos foram mais influenciados pelas migrações internas, se pela imigração.
Aguardemos pelos dados definitivos dos Censos 2011 para melhor percebermos o que se passa.
Entretanto, o que se sabe é que o País está cada vez mais encostado ao Oceano Atlântico e cada vez com uma maior «terra de ninguém» junto à fronteira com a Espanha, designadamente no espaço que medeia entre a entrada do rio Tejo em território luso, até ao extremo Norte dos distritos de Bragança e Vila Real, sem esquecer toda a faixa de terreno entre Alcoutim, a Sul e Nisa, a Norte.
A questão da desertificação dos concelhos limítrofes a Espanha é uma questão importante dado os exemplos históricos decorrentes, quer da compra de terras a um país pelo seu vizinho, quer pela consequência das migrações transfronteiriças.
Embora os exemplos da Palestina e do Kosovo não se apliquem à Península Ibérica seria conveniente que os teóricos do Conceito Estratégico de Defesa Nacional pensassem um pouco sobre este assunto.
Acresce à questão da soberania nacional, a questão da segurança, sabido, como se sabe, que a população que ainda resta da região desertificada é, predominantemente, constituída por pessoas idosas, isoladas, com pouca mobilidade e fraca resistência, ou seja, alvos fáceis da estratégia criminosa, exemplificada, no decurso do 1.º semestre do corrente ano, no aumento da criminalidade em 14,6% e 15,8%, respectivamente nos distritos de Portalegre e Vila Real, circunstância que não é alheia ao facto de «os criminosos estarem a beneficiar do encerramento de muitos postos da GNR e esquadras de polícia», conforme é referido por um oficial da PSP, de acordo com o jornal Público de 27 de Setembro.
Daqui decorre que o problema da desertificação, tendo como causa primeira o modelo de desenvolvimento económico, é transversal a múltiplos factores, passando pelo emprego, pelos salários, pelas reformas, pela natureza e dimensão das funções sociais do Estado, pela mobilidade, pela oferta cultural, pelo meio ambiente, pela sociabilidade, entre muitos outros.

O itinerário da desertificação é, comprovadamente, o itinerário de uma economia pauperizada.

O itinerário da desertificação é o itinerário dos baixos salários, das baixas reformas e dos baixos índices de poder de compra.
Tudo isto pressupõe a intervenção do Estado numa gestão planificada, designadamente na área económica e nas suas funções sociais.
A economia de mercado, essa, tem objectivos diametralmente opostos.
A resolução da desertificação do território terá que aguardar pelo o resultado dessa relação de forças.



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