·
O itinerário da pauperização da economia
Por Anselmo Dias
O País
dispõe já de dados preliminares relativos aos Censos 2011, cujos resultados, no
plano da demografia, evidenciam uma preocupante acentuação da desertificação do
território, embora globalmente o País tenha, comparativamente a 2001, mais
cerca de 200 mil residentes. Aquilo que foi tornado público não constitui, é
certo, nenhuma surpresa, antes confirma a acção política governativa dos
últimos 30 anos no fomento das causas tendentes à desertificação.
Confirma o ódio à planificação económica e à
harmonização dos investimentos na base da igualdade entre as várias regiões.
Confirma o entendimento de que a agricultura
é algo típico das economias terceiro mundistas e uma herança da Idade Média,
pelo que não a devemos desenvolver.
Confirma a desindustrialização e o receio da
existência de um forte sector operário, a fazer lembrar a resistência de
Salazar à industrialização do País.
Confirma um projecto de uma pretensa
modernidade alicerçada numa tercearização sustentada em baixos salários.
Confirma o primado da «economia de
casino» através da qual, num curto lapso de tempo, assistimos a uma
concentração capitalista como raramente aconteceu na nossa história
contemporânea.
A
desertificação do País não resulta de uma opção de deslocalização acéfala das
pessoas.
Ela é o
resultado de um conjunto de múltiplas variáveis, cujas componentes mais
importantes têm a ver com o modelo de desenvolvimento vigente e com o papel do
Estado nas funções ligadas à qualidade de vida das populações.
O País está,
pois, por opções políticas, ocupado irracionalmente.
Essa
irracionalidade custa caro e tem servido para muitos pretextos, designadamente
para o encerramento de linhas de caminho de ferro, de Serviços de Atendimento
Permanente, de Centros de Saúde e de escolas.
Entretanto,
com a acentuação da desertificação associada à panóplia dos défices (défice
orçamental, dívida pública, dívida externa, balança comercial, etc.), o Governo
encontra o pretexto para o futuro encerramento de estações dos CTT, de
esquadras da PSP e da GNR, de Tribunais, de juntas de freguesia e, até, de
concelhos.
Trata-se da
conhecida «estória» do «Agarra, que é ladrão», ou seja, aquele
que provoca a maldade é o mesmo que pretende incriminar o inocente.
Para se
avaliar a dimensão da desertificação do País vejamos, sinteticamente, os
seguintes dados.
Análise a
nível concelhio
A redução da
população a nível dos 308 concelhos do País é, utilizando uma expressão
popular, «uma coisa de bradar aos céus».
Com efeito,
entre 2001 e 2011 houve uma diminuição de população em 199 concelhos, o que
significa que, em cada três concelhos, dois viram a sua população diminuir.
Na
impossibilidade de nos referirmos a todos esses concelhos vejamos os casos mais
significativos.
Diminuição
de população superior a 20%: Alcoutim, no distrito de Faro, e Armamar, no distrito
de Viseu. Se estes concelhos continuarem, nas próximas décadas a perder
população de acordo com o passado recente, arriscam-se no futuro, no plano autárquico,
a uma simples figura de relíquia histórica.
Diminuição
entre 15% e 20%:
Idanha-a-Nova, Mourão, Carrazeda de Ansiães, Meda, Montalegre, Alijó, Figueiró
dos Vinhos, Mértola, Vila Nova de Paiva, Sabugal, Vila Flor, Manteigas, Gavião
e Penamacor.
Dos 199
concelhos que perderam população a maior parte encontra-se localizada na Beira
Interior, em Trás-os-Montes e no Alentejo.
Nestas três
regiões, onde cerca de 92% dos concelhos viram a sua população diminuir, a
perda total de habitantes correspondeu, na última década, a cerca de 100 mil
habitantes, valor que, grosso modo, corresponde ao aumento populacional no
distrito de Lisboa.
Nas
restantes regiões, incluindo a frente atlântica, também há muitos concelhos com
perda de habitantes, designadamente em toda a faixa litoral a Norte do distrito
de Lisboa. Para se ter uma ideia do que estamos a falar basta dizer que nos
distritos de Leiria, Coimbra e Aveiro houve 30 concelhos com perda de
população, o que evidencia que estamos perante um problema transversal a todo o
País, embora com escalas diferenciadas.
Por exemplo:
– no
distrito de Lisboa só há dois concelhos com diminuição de população.
Referimo-nos à cidade de Lisboa e ao concelho da Amadora;
no distrito
de Faro só há três concelhos com diminuição de população. Estão neste caso os
concelhos de Alcoutim, Monchique e Vila do Bispo;
no distrito
de Setúbal só há quatro concelhos com diminuição de população, três dos quais
na região do Alentejo (Alcácer do Sal, Santiago do Cacém e Grândola), a que
acresce Moita, o único concelho da Península de Setúbal a perder população.
Dos 199
concelhos que perderam população, a esmagadora maioria diz respeito a pequenos
e médios concelhos.
Há, contudo,
excepções e essas são as seguintes:
O concelho
do Porto perdeu 25 572 habitantes, o de Lisboa perdeu 19 412 e o de Coimbra
perdeu 5391.
O concelho
do Porto, que ocupa o 4.º lugar em termos populacionais, arrisca-se, num prazo
de dez anos, a ser ultrapassado quer por Loures, quer por Cascais. Se a
tendência no futuro reflectir o passado recente chegará a altura em que o
concelho de Braga ultrapassará o do Porto.
Eis um
assunto a merecer uma séria reflexão, dado o conjunto de factores em presença.
Análise a
nível distrital
A análise
demográfica a cada um dos distritos anda a par daquilo que é o resultado
demográfico
dos
respectivos concelhos, salvo casos excepcionais, como sejam os relativos às
cidades de Lisboa e Porto, cujas perdas de habitantes não é replicada na parte
restante desses mesmos distritos.
Com efeito,
conforme já atrás foi referido, à perda de habitantes na capital do País
corresponde um aumento de 108 971 habitantes no distrito de Lisboa, e à perda
de habitantes na cidade do Porto corresponde um aumento de 34 209 habitantes no
respectivo distrito.
Há um caso
interessante relativo a Braga.
O distrito
teve um aumento de 17 078 habitantes, valor praticamente coincidente com o
aumento populacional no concelho de Braga, ou seja, o ganho populacional
observado no distrito deve-se, expressivamente, àquele concelho.
Analisados
estes casos excepcionais vejamos a regra.
Distritos
com redução do número de residentes:
– distrito da Guarda, com menos de 19
030 habitantes;
distrito de
Viseu, com menos de 16 789 habitantes;
distrito de
Vila Real, com menos de 16 545 habitantes;
distrito de
Bragança, com menos de 12 424 habitantes;
distrito de
Castelo Branco, com menos de 12 114 habitantes;
distrito de
Coimbra, com menos de 11 490 habitantes.
Seguem-se os
distritos de Beja (menos 8505), Portalegre (menos 8066), Évora (menos 6220),
Viana do Castelo (menos 5338) e Santarém (menos 71).
Os distritos
que tiveram um aumento populacional foram os seguintes:
– distrito de Lisboa, com mais 108 971
habitantes;
distrito de
Setúbal, com mais 61 383 habitantes;
distrito de
Faro, com mais 55 266 habitantes;
distrito do
Porto, com mais 34 209 habitantes;
R.A. da
Madeira, com mais 23 927 habitantes;
distrito de
Braga, com mais 17 078 habitantes.
Seguem-se os
distritos de Leiria (mais 11 339), Açores (mais 4339) e Aveiro (mais 686).
Estes
elementos permitem concluir que o Sul do País (com excepção do Alentejo) está a
ganhar população, embora modestamente, enquanto no centro e no Nordeste do País
há uma sangria populacional extremamente grave.
Como se
explica, então, os aumentos na Grande Lisboa, na Península de Setúbal no
Algarve e na Madeira?
– por um aumento da natalidade?
por uma
diminuição da mortalidade?
por uma
regressão da emigração?
por um
aumento da imigração?
por fluxos
migratórios internos?
Há, desde
já, uma resposta definitiva.
Os aumentos
verificados, sobretudo no Algarve, não têm nada a ver com o aumento natural da
população, ou seja, o aumento que decorre entre o número de nascimentos e o
número de óbitos.
Os dados
disponíveis não permitem concluir se tais aumentos foram mais influenciados
pelas migrações internas, se pela imigração.
Aguardemos
pelos dados definitivos dos Censos 2011 para melhor percebermos o que se passa.
Entretanto,
o que se sabe é que o País está cada vez mais encostado ao Oceano Atlântico e
cada vez com uma maior «terra de ninguém» junto à fronteira com a
Espanha, designadamente no espaço que medeia entre a entrada do rio Tejo em
território luso, até ao extremo Norte dos distritos de Bragança e Vila Real,
sem esquecer toda a faixa de terreno entre Alcoutim, a Sul e Nisa, a Norte.
A questão da
desertificação dos concelhos limítrofes a Espanha é uma questão importante dado
os exemplos históricos decorrentes, quer da compra de terras a um país pelo seu
vizinho, quer pela consequência das migrações transfronteiriças.
Embora os
exemplos da Palestina e do Kosovo não se apliquem à Península Ibérica seria
conveniente que os teóricos do Conceito Estratégico de Defesa Nacional
pensassem um pouco sobre este assunto.
Acresce à
questão da soberania nacional, a questão da segurança, sabido, como se sabe,
que a população que ainda resta da região desertificada é, predominantemente,
constituída por pessoas idosas, isoladas, com pouca mobilidade e fraca
resistência, ou seja, alvos fáceis da estratégia criminosa, exemplificada, no
decurso do 1.º semestre do corrente ano, no aumento da criminalidade em 14,6% e
15,8%, respectivamente nos distritos de Portalegre e Vila Real, circunstância
que não é alheia ao facto de «os criminosos estarem a beneficiar do
encerramento de muitos postos da GNR e esquadras de polícia», conforme é
referido por um oficial da PSP, de acordo com o jornal Público de 27 de
Setembro.
Daqui
decorre que o problema da desertificação, tendo como causa primeira o modelo de
desenvolvimento económico, é transversal a múltiplos factores, passando pelo
emprego, pelos salários, pelas reformas, pela natureza e dimensão das funções
sociais do Estado, pela mobilidade, pela oferta cultural, pelo meio ambiente,
pela sociabilidade, entre muitos outros.
O itinerário
da desertificação é, comprovadamente, o itinerário de uma economia pauperizada.
O itinerário
da desertificação é o itinerário dos baixos salários, das baixas reformas e dos
baixos índices de poder de compra.
Tudo isto
pressupõe a intervenção do Estado numa gestão planificada, designadamente na
área económica e nas suas funções sociais.
A economia
de mercado, essa, tem objectivos diametralmente opostos.
A resolução
da desertificação do território terá que aguardar pelo o resultado dessa
relação de forças.
0 comentários:
Enviar um comentário
O seu comentário será publicado brevemente.
Muito obrigado pela sua participação.